A
LIBERDADE na tradição cristã antiga
O tema da liberdade é
sem dúvida nenhuma, um dos mais refletidos na história da filosofia. Muitos filósofos
falaram a este respeito.
Se tentarmos fazer uma
história deste tema na filosofia, vamos remontar, por exemplo, no mito da
criação do mundo, mais precisamente com a história bíblica de Adão e Eva.
Como sabemos Adão e Eva
viviam tranquilos num estado de harmonia perfeita no paraíso. Se olharmos
filosoficamente eles viviam até dentro de uma ingenuidade. Com o passar do
tempo e da história bíblica, Adão e Eva desobedecem ao seu criador e vão até a
árvore da ciência (árvore do mal) e são seduzidos para poderem infringir a lei
divina. Neste momento, esses primeiros humanos se tornam necessariamente
humanos, pois eles optaram por desobedecer. Alguns poderiam dizer que eles não
foram livres, pois foram enganados por uma serpente. Ora, mesmo se você opta
por fazer algo induzido por outro, o ato de fazer é de responsabilidade da
pessoa – então foram livres.
Agostinho de Hipona (
354-430), refletiu sobre este relato bíblico e afirmou que essência do ser
humano é ter a faculdade do livre-arbítrio. Deus criou o ser humano livre,
portanto, tudo que o ser humano faz é de responsabilidade do ser humano. Tirar
dos seres humanos a responsabilidade para seus atos ruins e transferi-los para
entendidas do mal é uma pura irresponsabilidade. Portanto, para Agostinho, Adão
e Eva foram livres para pecar, portanto, se utilizaram do livre-arbítrio. “Deus não é a fonte dos males...eles
existem devido ao pecado voluntário da alma. À qual Deus deu livre escolha.
Portanto, o ser humano
é um ser falho na concepção de Agostinho, pois a todo o momento estamos
inclinados a fazer o mau, pela nossa herança pecaminosa de Adão e Eva. Neste
sentido, o ser humano é e somente ele, responsável por tudo o que ele faz.
Indo um pouco mais a
fundo, para Agostinho o Mal não existe, pois tudo o que Deus criou é perfeito.
Mas como fica a questão das maldades que vemos a todo momento? Ora, mais uma
vez Agostinho justiça a Deus e coloca a
responsabilidade em cima do ser humano...no fundo o mal não existe é apenas a ausência
do bem.
A
LIBERDADE COMO QUESTÃO FILOSÓFICA
Filosoficamente, a
questão da liberdade se apresenta na forma de dois pares de opostos: o par necessidade-liberdade, o par
contigência-liberdade.
O par
necessidade-liberdade também pode ser formulado e termos religiosos, como
fatalidade-liberdade, e em termos científicos, como determinismo-liberdade.
Conceitos
Necessidade:
é
o termo empregado para referir-se ao todo da realidade, existente em si e por
si, que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e consequências.
Exemplo: ato de sentir sede, fome, sono, etc.
Fatalidade:
é
o termo usado quando pensamos em forças transcendentes superiores às nossas e
que nos governam, quer o queiramos, quer não. Exemplo: intervenção Divina ou de
forças maléficas.
Determinismo:
é
o termo empregado, a partir do século XIX, para referir-se às relações causais
necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência e, no
caso da ética, para referir-se ao ser humano como objeto das ciências naturais.
O par contingencia-liberdade também pode ser
formulado pela oposição acaso-liberdade. Contingência ou acaso significam que a
realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando deliberação e decisão racionais,
definidoras da realidade. Num mundo onde tudo acontece por acidente, somos como
um frágil barquinho perdido num mar tempestuoso, levado em todas as direções ao
sabor das vagas e dos ventos.
Necessidade,
fatalidade, determinismo significam que não há lugar para a liberdade, porque o
curso das coisas e de nossa vida já está fixado, sem que nele possamos
intervir. Contingência e acaso
significam que não há lugar para a liberdade, porque não há curso algum das
coisas e de nossa vida sobre o qual pudéssemos intervir.
AS
CONCEPÇÕES DE ARISTÓTELES E DE SARTRE
A primeira grande
teoria filosófica da liberdade é exposta por Aristóteles em sua obra Ética a
Nicômaco e, com variantes, permanece através dos séculos chegando até o século
XX, quando foi retomada por Sartre. Nessa concepção, a liberdade se opõe ao que
é condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece sem escolha
deliberada (contingência).
Afirma
Aristóteles: que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não
agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade
parra determinar a si mesma, isto é, para autodeterminar-se. É pensada, também,
como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar nem é forçada
por coisa alguma para agir. Trata-se da espontaneidade plena do indivíduo.
Muitos filósofos que
vieram depois de Aristóteles, disseram que a inteligência inclina a vontade para
uma certa direção, mas não a obriga nem a constrange, tanto assim que podemos
agir na direção contrária à indicada pela inteligência ou razão. É por ser livre e incondicionada que a
vontade pode seguir ou não os conselhos da consciência. A liberdade será ética
quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada pela
razão.
Em sua obra O Ser e o Nada, o filósofo francês Jean
Paul Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade é a escolha incondicional que o próprio homem faz
de seu ser e de seu mundo.
Quando julgamos estar
sob o poder de forças externas mais poderosas do que nossa vontade, esse
julgamento é uma decisão livre, pois outros homens, nas mesmas circunstancias, não
se curvaram nem se resignaram (conformar com a situação).
Em outros termos, para
Sartre, conformar-se ou resignar-se é uma decisão livre, tanto quanto não se
resignar nem se conformar, lutando contra as circunstancias. Quando dizemos que
não podemos fazer alguma coisa porque estamos fatigados, a fadiga é uma decisão
nossa, tanto assim que uma outra pessoa, nas mesmas circunstancias, poderia
decidir na se sentir cansada e agir.
Por
isso, Sartre faz uma afirmação aparentemente contraditória, dizendo que “estamos
condenados à liberdade”. Qual a contradição? Identificar liberdade e
condenação, isto é, dois termos incompatíveis, pois é livre quem não está
condenado.
O
que Sartre pretende dizer? Que, para os humanos, a liberdade é como a
necessidade e a fatalidade, não podemos escapar dela. É ela que define a
humanidade dos humanos, sem escapatória.
Fonte: Resumo de aulas do professor Marcos Martins César, filósofo