29 de junho de 2008

Posturas pragmáticas na História da Filosofia

Em relação à cultura ocidental, devemos reconhecer que, a despeito de toda a sua produção científica e filosófica, na realidade ela é pragmática. Em nossa cultura, historicamente temos uma seqüência que mostra, de um lado, a preocupação com o conhecimento e o domínio da natureza, principalmente a partir de Francis Bacon, culminando com os ideólogos do progresso dos séculos XVIII e XIX e com a produção nos moldes capitalistas e, de outro, uma crítica da instrumentalização da razão, na linha da crítica da economia política de Marx, retomada especialmente pela Escola de Frankfurt.

Pouco depois que a crítica da razão técnica era feita por Marx e Engels, porém, desenvolvia-se nos Estados Unidos, através do Pragmatismo, o interesse pelo conhecimento voltado para a ação, tradicionalmente atribuído às necessidades da cultura norte-americana de se construir materialmente e de se auto-afirmar politicamente.

Se observarmos a História da Filosofia, no entanto, encontraremos posturas mais voltadas para a ação e a vontade e outras com ênfases mais idealistas e intelectualistas desde a Filosofia pré-socrática. Com base na obra de Ugo Spirito, mencionaremos a presença de uma visão mais voltada para a ação em determinadas escolas e períodos filosóficos. De acordo com ele, para Schiller, “a frase de Protágoras, para quem o homem é a medida de todas as coisas, pode ser considerada como o postulado fundamental dos pragmatistas, isto é, como expressão da síntese indissolúvel entre lógica e psicologia”.Da mesma forma, a mudança de interesse de Sócrates da Física para a Antropologia, especialmente para as questões éticas e políticas, poderia ser vista como uma postura pragmática. De acordo com Spirito, na obra de Schinz propõe-se uma analogia entre o Pragmatismo e a Escolástica, a qual é vista por este como o “pragmatismo do medievo”. A Filosofia de Aristóteles é vista na Idade Média como prática, em oposição ao idealismo religioso, e a igreja a condenava como heresia, pois seu estudo poderia provocar a autonomia da razão perante a Revelação, a separação entre os campos específicos da Filosofia e da Teologia, a substituição do fim último transcendente do ser humano pelo fim último imanente, a autonomia do político frente ao religioso e a separação completa entre Igreja e Estado.

Em relação à experiência religiosa, Spirito afirma que “se tem reconhecido a Pascal como um precursor do Pragmatismo”. Também se encontra no pensamento de Kant uma valorização da interpretação pragmática da realidade, sobre o que Spirito prefere apenas fazer menção, “observando que a tese, que para Kant se limita ao campo da ética, se converteu, para os pragmatistas, em um postulado gnosiológico”.

Em relação ao conhecimento e à ação, postulados do Pragmatismo podem encontrar-se no pensamento de Nietzsche. Sua obra vincula-se à filosofia da ação devido ao valor que confere à vontade e ao corpo na epistemologia e na moral, afirmando o “valor do que é terreno, corpóreo, antiespiritual” e considerando “virtudes todos os comportamentos que dizem sim à vida e ao mundo”. Johannes Hessen afirma que “o pragmatismo também encontrou defensores na Alemanha” e que “entre eles e acima de todos, está Nietzsche”. Hessen argumenta, para corroborar essa proposição, com a afirmação da “concepção naturalista e voluntarista da essência humana” adotada por Nietzsche. Para o filósofo que pensou para além de todos os valores, de acordo com Hessen, “a verdade não é um valor teórico, mas uma expressão para a utilidade, para a função do juízo que é conservadora de vida e servidora da vontade de poder”. E seu pensamento é expresso de forma ainda mais radical quando afirma que “a falsidade de um juízo não constitui objeção a esse juízo”, mas que “a questão é em que medida ele é promotor da vida, conservador da vida, conservador da espécie e até mesmo, talvez, educador da espécie”. Hessen afirma que, apesar de não abandonar a “distinção entre verdadeiro e útil”, e de reter “o conceito de verdade no sentido de concordância entre pensamento e ser”, Nietzsche assevera que isso jamais é alcançado e que “nossa consciência cognoscente trabalha com representações sabidamente falsas”.

Em sua análise, Spirito demonstra que “os antecedentes próximos do Pragmatismo são o intelectualismo empírico e o intelectualismo idealista”, e que “na exigência de reagir contra toda forma de intelectualismo deve achar-se a razão de ser do Pragmatismo”. Enquanto para o intelectualismo “o caráter primordial da verdade consiste em sua objetividade e, portanto, em sua imutabilidade e eternidade... o pragmatismo é a antítese desta posição: a verdade, a realidade mesma estão em função do sujeito e, portanto, em contínuo devir”.

O modo de pensar pragmatista, portanto, veio a desenvolver-se paulatinamente na Europa, tendo o ideal presente em Francis Bacon e em Galileu sido reproduzido no pensamento de Augusto Comte, cujo mote “Savoir pour prevoir, afin de pouvoir” era uma palavra de ordem da visão empirista e pragmática da realidade. Comte, antimetafísico e anticlerical, idealizador de uma Religião da Humanidade, torna-se um modelo do modo de pensar pragmatista.

A longa tradição empirista - que tem suas raízes nos séculos XVI e XVII, especialmente no Novum Organum, de Francis Bacon - se, por um lado, contribuiu para a libertação da pesquisa dos dogmas da cultura eclesiástica, por outro lado, com seu ideal de conhecer a natureza para dela servir-se, culminou numa visão utilitarista da Ciência.

Se o Pragmatismo interpreta o conhecimento e a verdade em relação à experiência, à ação e à utilidade, também no pensamento de Marx e Engels demonstra-se que o conhecimento é voltado para a ação e, portanto, não é uma exclusividade daquela escola. Veja-se, por exemplo, o célebre mote enunciado nas Teses contra Feuerbach: “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras, o que importa é transformá-lo”. Parece que, nesse mote, toda a tradição filosófica ocidental é inclusa, como se de fato os filósofos nada tivessem feito para transformar o mundo. Na realidade, Marx elabora uma frase com caráter mais de mobilização que de teorização. Ele tinha um pensamento que partia da práxis para a ela retornar, o que coincide com a teoria pragmática, de conhecer o que tem valor prático. Sua frase de efeito pode ser comparada ao famoso exemplo de William James sobre as implicações práticas da interpretação do movimento imaginário de um esquilo e de uma testemunha humana que tenta vê-lo ao redor de uma árvore: “... Não importa quão rápido se mova, o esquilo se movimenta também rapidamente na direção oposta, e sempre mantém a árvore entre si e o homem, de maneira que jamais o tem em vista. O problema metafísico resultante agora é este: O homem anda em torno do esquilo ou não”? – Como James soluciona essa inquietação? Simplesmente indagando pelo valor prático do que se entende por “ir em torno do esquilo”, e acrescenta, em relação às disputas metafísicas em geral: “O método pragmático nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando as suas conseqüências práticas respectivas. Que diferença prática haveria para alguém se essa noção, de preferência àquela outra, fosse verdadeira”?

Todavia, o conceito de “práxis” de Marx e o conceito de ação ou utilidade de James demonstram diferenças epistemológicas e ideológicas profundas. Enquanto o conceito de “práxis” faz da verdade uma exigência fundamental, a verdade no Pragmatismo é instrumental, ficando reduzida ao imediato.

A crítica que a Escola de Frankfurt faz à instrumentalização da razão pode ser aplicada ao Pragmatismo, ainda que Marx tenha sido prático ao afirmar que “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras”, e que “o que importa é transformá-lo”. Na realidade, sua visão era crítica em relação à instrumentalização não só da razão e da ciência, mas, acima de tudo, da própria existência humana. Por isso seu pensamento é retomado pela Escola de Frankfurt como método para a crítica da tradição positivista e instrumental que tomou conta da Ciência e da Cultura sob a influência da tradição empirista e de Comte, na Europa, podendo estender-se para a crítica do Pragmatismo.

Enquanto os cientistas sociais criticavam os destinos da sociedade regida por uma elite política, industrial e financeira que adotava uma visão utilitarista do conhecimento, da técnica e do homem, nos Estados Unidos a visão pragmática da realidade tomava forma filosófica, especificamente como um método de hermenêutica voltada para a ação.

A cultura norte-americana, de acordo com Dewey e Mead, apresentava “elementos que tenderam a fomentar o caráter e modo de pensar pragmático”. Nesse sentido, Childs afirma que “na vida do pioneiro, as idéias eram literalmente instrumentos de adaptação”, o conhecimento era voltado para o controle do meio circundante. Descrito por Dewey, Mead e Childs como um fenômeno tipicamente americano, o Pragmatismo, no entanto, é considerado por William James como uma visão de mundo localizável noutras culturas. Seu próprio livro Pragmatismo, tem um subtítulo indicativo disso: um novo nome para velhos modos de pensar.

Por outro lado, não se deve afirmar que o Pragmatismo seja tipicamente americano, pois ao longo da História da Cultura Ocidental observamos o recurso à visão pragmática da realidade nalguns pensadores, mesmo na Filosofia antiga e medieval, e com a Filosofia Moderna inicia-se, de fato, um processo de interpretação da realidade, com bases matemáticas e físicas, que passará pelo empirismo, pela delimitação kantiana entre ciência e razão prática, pelo positivismo e pela conseqüente factualização do conhecimento. Quando, pois, os membros do Methaphysical Club rejeitaram as visões teológicas e idealistas da natureza e das instituições sociais, estavam seus membros assentados numa longa tradição. O Pragmatismo, assim, do ponto de vista conceitual, é um ponto de chegada no processo dialético do conhecimento, e não uma descoberta ou algo que foi “fundado”. Peirce, considerado o fundador do movimento, preferiu não ter seu pensamento chamado de Pragmatismo, mas de Pragmaticismo, devido aos rumos que o movimento anti-metafísico dessa visão de mundo tomou, pois apesar de sua visão científica da realidade, o Pragmatismo é uma forma de relativismo e de dogmatismo, tornando-se superficial, devido à sua redução da verdade e da pesquisa ao que é útil e imediato.

As causas do Pragmatismo enquanto método de conhecimento e orientação moral dos americanos podem ser consideradas, na realidade, justificativas ideológicas do desejo de poder desse povo, a qual é disfarçada no discurso do pioneirismo. O individualismo dos membros dessa sociedade entre si, e o imperialismo do Estado americano nas relações políticas internacionais é que geram, ao nosso ver, o método pragmático, o qual, de fato, é antimetafísico e antitradicional, privilegiando os resultados práticos do saber.


Colaboração: Prof. Drndo. Isaar Soares de Carvalho



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