A revista Dossiê da Cult debate as idéias de Herbert Marcuse, fundamentais para o Maio de 68, mas esquecidas a partir dos anos 1980
A memória sobre Herbert Marcuse chegou enfraquecida ao presente, quando se comemoram as quatro décadas do Maio de 68, aquela vaga revolucionária que, manipulações ideológicas à parte, mostrou aos indivíduos a possibilidade concreta de imaginar outro mundo. O que se discutia, então, era principalmente a liberdade. E Marcuse, com o clássico Eros e Civilização, estava na ponta da línguas dos jovens revolucionários.
Ignorá-lo é ver, de modo parcial, o significado de 1968, quando se cogitou que a imaginação devia ocupar o poder. Não por outro motivo, o dossiê da Cult (nº 127, 66 págs., R$ 9,90) deste mês tem o título Reorganizar a Emancipação. O editor de filosofia da revista, Eduardo Socha, escreve que as circunstâncias políticas e sociais não explicam sozinhas o levante de estudantes e operários. A explicação começa a ficar mais interessante quando se lembra que o sentimento de inconformismo e o desejo de libertação se misturaram às idéias radicais de pensadores universitários.
Nesse ambiente emerge o filósofo alemão Herbert Marcuse (1898-1979), um dos três "Ms de 68", ao lado de Marx e Mao, que se aventurou a pensar as inquietudes da razão e da emoção, cruzando Freud com marxismo. Em A Era dos Extremos, Eric Hobsbawm registra que aquele trio perde, em número de citações pela imprensa nos anos 1960 e 70, somente para Che Guevara.
No Brasil, além de Eros e Civilização (LTC, 232 págs., R$ 53), as livrarias têm as obras Cultura e Sociedade - v. 1 (Paz e Terra, 201 págs., R$ 32,50) e v. 2 (idem, 201 págs., R$ 34) ; Razão e Revolução - Hegel e O Advento da Teoria Social (Paz e Terra, 380 págs., R$ 54,50); A Dimensão Estética (Edições 70, 72 págs., R$ 43); e Tecnologia, Guerra e Fascismo (Unesp, 372 págs., R$ 50).
Sabe-se que, depois de a onda de rebeldia ter passado, veio a maré do conservadorismo, em que a toada é o pensamento único, o fim da história e a salvação pela economia de mercado e a sociedade de consumo.Como lembra Jorge Coelho Soares, professor de psicologia na UERJ, em O Filósofo Refratário, um dos cinco ensaios do dossiê, Marcuse se tornou uma "mercadoria de grande aceitação" em um ambiente onde se discutia muito, mas se lia pouco. A animação com as teorias marcusianas, citadas para falar de uma sociedade que não reprimia, arrefeceu a partir dos anos 80, perdendo espaço na academia para o pensamento pós-estruturalista. Coelho Soares relaciona o contato brasileiro com as obras de Marcuse ao processo de abertura intelectual do País.
Professor de filosofia da UFSCar, Wolfgang Leo Maar aponta a distinção do pensamento de Marcuse: em vez de contrapor, ele "vincula a democracia e a revolução de modo essencial".Em Viver Bem, Viver Melhor, Robespierre de Oliveira, um dos tradutores da obra marcusiana no Brasil, fala da releitura da filosofia pelo pensador alemão com a finalidade de apontar para a transformação utópica, e possível, da realidade social. Marcuse dizia que, embora os indivíduos soubessem que eram oprimidos, eles não tinha idéia de como se livrar da opressão.
Rodrigo Duarte, professor da UFMG, traça um panorama das reflexões estéticas de Marcuse, para quem havia um potencial subversivo maior na poesia de Rimbaud e Baudelaire do que nas peças didáticas de Brecht. Tecnologia e Política em Marcuse, de Marilia Mello Pisani, da Universidade Mackenzie, é uma síntese da crítica marcusiana à celebrada razão instrumental e à suposta neutralidade do desenvolvimento técnico-científico. Essas mudanças afetaram a estrutura da sociedade e do indivíduo. Questioná-las, para Marcuse, é a oportunidade de pensar na concepção de uma "nova humanidade".
Colaboração: Rodney Eloy
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