23 de outubro de 2008

Vida oculta de Jesus - Frei Jacir

Escritos apócrifos retratam a vida oculta de Jesus

Verdades ou mentiras? Textos que contam outra versão sobre vida do filho de
Deus ainda suscitam polêmica na Igreja Católica

Um Jesus Cristo mais humano e místico. Uma Maria Madalena líder de uma comunidade e não prostituta. Uma Maria, mãe de Jesus, mais participativa e menos submissa. Um Tomé polêmico e revolucionário. Um José viúvo, pai de seis filhos. Estas são algumas das diferenças da história do filho de Deus encontradas nos escritos apócrifos, uma “outra bíblia” da origem do cristianismo escrita por seguidores do Messias, mas desacreditada e mantida em sigilo pela Igreja. Ela compreenderia uma lista de 112 livros, 52 do Primeiro Testamento e 60 do Segundo.

A veracidade dos escritos apócrifos, no entanto, até hoje suscita polêmica. Estudiosos da própria Igreja divergem sobre o assunto. Uns afirmam que eles são simples expressões da piedade popular sobre Jesus, produzidas no segundo século do Cristianismo, e que não acrescentariam nada aos textos canônicos. Outros, porém, os defendem, afirmando que esses escritos podem aproximar mais da mensagem de Jesus, conservando dados importantes na memória popular dos seus seguidores.

Um dos estudiosos defensores do estudo desta “outra bíblia” da vida de Jesus é o frade franciscano Jacir de Freitas Faria, de 40 anos, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (PIB) e natural de Divinópolis (MG). Ele esteve em Apucarana nesta semana ministrando curso sobre o assunto para leigos e padres da cidade e região. Frei Jacir é um dos poucos estudiosos no Brasil e no mundo a mergulhar na literatura apócrifa.

O curso para os leigos foi realizado no Colégio Nossa Senhora, de segunda à sexta-feira, e reuniu cerca de 120 pessoas, desde catequistas até líderes de paróquias de toda a região. Já para os religiosos, a explanação aconteceu de quarta à sexta-feira, no Centro de Formação Sagrada Família, com a participação de 60 padres.

Maria Madalena, discípula favorita

Dos escritos apócrifos, um dos mais estudados e que traz maiores revelações é o Evangelho de Maria Madalena, encontrado em Nag Hamadi, em 1945, no Egito. Ao contrário do que a maioria dos católicos pensa, em virtude de uma interpretação errônea das passagens evangélicas, ela não foi a prostituta que teria ungido os pés de Jesus.

O frei Jacir de Freitas Faria explica que a vinculação de Maria Madalena com a pecadora tornou-se um arquétipo. “O inconsciente coletivo guardou na memória a figura de Maria Madalena como mito de pecadora redimida”, explica. Segundo ele, existiram pelo menos três Marias Madalenas, o que teria gerado a confusão.

Mas, então, quem é Maria Madalena? Para surpresa de muitos, ela era uma das discípulas de Jesus e líder de uma comunidade. Segundo frei Jacir, entre os primeiros cristãos existiam disputas pela liderança. “Havia o grupo de Pedro, o de Tiago e também o de Maria Madalena”, salienta.

O fato mais surpreendente, no entanto, é a ligação dela com Jesus. Segundo os escritos apócrifos, no Evangelho de Filipe, Maria Madalena era a discípula favorita e a amada de Jesus. Considerada sua companheira, ela recebia beijos na boca de Jesus e também os seus conhecimentos secretos.

O frei Jacir alerta sobre o significado do beijo na boca naquela época, o qual correspondia à comunicação do espírito, ou seja, de ensinamentos. Essa relação próxima causou ciúmes entre os demais discípulos, principalmente Pedro. “Esse sentimento mostrou a rejeição ao feminino no início do cristianismo e, quem sabe, a origem do preconceito à mulher”, observa.

Outro ponto destacado é a concepção de Maria Madalena sobre o pecado. “Para ela, não existe pecado original. São os condicionamentos da vida que criam as situações de pecado”, observa. Frei Jacir afirma que a Igreja, no decorrer da sua história, enfocou muito o pecado original.

Para o religioso, os escritos apócrifos complementam os textos canônicos e também explicam a presença de Maria Madalena, ao lado de Maria, mãe de Jesus, junto à cruz, na qual o Messias foi pregado. (F.K.)

Imagem diferente de Maria

Os escritos apócrifos trazem uma imagem diferente de Maria, mãe de Jesus. Nos textos canônicos, ela aparece como uma mulher submissa e subserviente, que está junto dos apóstolos, mas não tem nenhuma liderança. Já nos apócrifos, Maria tem papel preponderante, liderando os discípulos e discutindo de igual para igual com eles.

O frei Jacir de Freitas Faria observa ainda que os textos apócrifos confirmam um dos principais dogmas do catolicismo, que é a virgindade de Maria. “José une-se à Maria com 89 anos e atua como um protetor até a sua morte, aos 111 anos”, explica, observando que ele já teria sido casado e pai de seis filhos, estes, irmãos de criação de Jesus. A idade avançada daria a entender que José estaria impotente e não poderia se relacionar com Maria.

Outro ponto destacado é o lírio de José, que aparece até hoje na imagem do santo. Este teria sido o sinal de que ele seria o companheiro de Maria. O frei Jacir observa ainda que toda a simbologia fundamentada em torno da mãe de Jesus é apócrifa e não canônica. Ele cita como exemplos a ladainha, palma e “Boa Morte” de Maria.

O religioso explica que a Igreja conservou apenas algumas informações dos evangelhos apócrifos e outras não. “Isso talvez por entender que esses textos trazem novidades, as quais desinstalam a opinião teológica já sedimentada. E por que eles são, de fato, já desde as origens do cristianismo, questionadores. No entanto, temos que reconhecer que os apócrifos têm histórias aberrantes, que não poderiam corresponder à verdade. Por isso, eles devem ser tratados como ferramentas para compreender melhor a vida de Jesus”, assinala. (F.K.)

Na infância, um menino travesso

Retratada nos escritos apócrifos, a infância de Jesus traz várias histórias miraculosas, segundo avaliação do frei Jacir de Freitas Faria. “É quando aparece a maior parte dos exageros”, observa.

Conforme textos de Tomé, o Israelita, Jesus é um menino travesso. “Ele brinca com outras crianças e, quando contrariado, usa o poder para punir de morte”, conta. Para o frei Jacir, os exageros da narrativa tiram a sua credibilidade.

Um dos exemplos é a passagem em que Jesus indigna-se com um outro menino que faz escoar a água represada por Ele em uma brincadeira, o qual é punido com a morte. “Malvado, ímpio e insensato. Será que as poças e as águas te estorvavam? Ficarás agora seco como uma árvore, sem que possas dar folhas, nem raiz nem frutos”, diz Jesus ao outro menino na passagem. (F.K.)

O Evangelho de Tomé: místico e revolucionário

Ao lado do Evangelho de Maria Madalena, o Evangelho de Tomé é um dos escritos apócrifos considerados mais importantes. Nele, Jesus aparece místico e revolucionário. Justamente essa visão Dele fez com que a Igreja não aceitasse os textos de Tomé.

Assim como o Evangelho de Maria Madalena, o de Tomé também foi encontrado em 1945, em Nag Hamadi, no Egito, em 1945. Eles estavam em 50 pergaminhos escritos em copta, língua falada pelos egípcios, nos primeiros anos do cristianismo.

Quando foram encontrados, os pergaminhos causaram muita polêmica. Havia a dúvida se esse Tomé era o mesmo que compartilhou do ministério de Jesus. De um lado, a Igreja Católica negava qualquer semelhança entre Tomé, o apóstolo, e Tomé, de Nag Hamadi. Para o Vaticano, tratava-se de um texto apócrifo, isto é, falso, uma vez que ele não reafirmava as verdades das Sagradas Escrituras.

Segundo o frei Jacir de Freitas Faria, o Evangelho de Tomé apresenta apenas parábolas sobre Jesus e não alegorias (interpretações). “O que o torna mais próximo da fala original de Jesus”, argumenta. Ele afirma que o filho de Deus aparece mais místico. Em uma das passagens, Ele diz. “O Reino de Deus está no interior de cada um de nós e não no céu”. Por esses e outros ditos esotéricos, o Evangelho de Tomé, já naquela época, foi considerado apócrifo.

Outro ponto destacado pelo frei Jacir é o lado revolucionário de Jesus descrito por Tomé. “As comunidades são convidadas a resistir contra aqueles que tomavam suas terras, no caso, o Império Romano”, conta.

O Evangelho de Tomé chegou a ser considerado o Quinto Evangelho, ao lado de Mateus, Marcos, Lucas e João. A Índia, por exemplo, foi evangelizada praticamente toda por sua doutrina. (F.K.)

Fonte: Bibliaeapocrifos

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante o texto, fiquei curioso em conhecer mais a fonte, mas o link está quebrado!

Roberson Marcomini disse...

Caro amigo Rodney Eloy obrigado!! Já está corrigido.