9 de fevereiro de 2009

Você leria Proust para mudar sua vida?


É o que propõe o escritor suíço Alain de Botton, sócio da School of Life, associação que "prescreve" livros para pessoas que estão com problemas pessoais. O também escritor e crítico literário Sérgio Rodrigues apelidou a iniciativa de AAPC (Auto-Ajuda Picareta e Caricata)


Por Sheyla Miranda
Imagine o seguinte: você está com um problema pessoal ou com dúvidas sobre qual caminho é o melhor a seguir na vida. Viajando por Londres, encontra a unidade da School of Life, da qual são sócios Alain de Botton e alguns outros escritores menos conhecidos. Você entra, preenche uma ficha com detalhes da sua história, conta seus hábitos e expectativas. O próximo passo é uma consulta com um especialista em literatura - o que lhe fará desembolsar 120 reais, em média. Em seguida, você recebe uma receita com indicações de leitura que poderão ajudá-lo a abrir a mente, entrar em uma nova fase, superar os problemas em questão ou simplesmente aproveitar melhor um momento da vida.


Receita em mãos, lá está você em uma biblioteca municipal, à procura do livro "prescrito", que lhe poderá ser útil para sanar o problema que o levou a procurar a "biblioterapia". É por conta desse caráter utilitário dado à literatura que o escritor e crítico literário Sérgio Rodrigues, autor do blog Todoprosa¸ classificou a iniciativa de Alain de Botton como AAPC (Auto-Ajuda Picareta e caricata)."Nada impede que psicólogos ou terapeutas façam dos livros de ficção um instrumento terapêutico, não duvido que possa ajudar. O que é triste é ver um escritor propor uma finalidade à literatura. Isso é reduzir terrivelmente as possibilidades de um livro ficcional, é cobrar que o livro tenha uma aplicação prática", avalia Sérgio Rodrigues. Para ele, para quem esse "novo gênero" não tem outro fim que não seja comercial. "É uma tentativa de transformar tudo em auto-ajuda, porque os livros desse segmento são muito lucrativos".


A mestre em literatura e consultora editorial Maria Isabel Borja, uma das organizadoras dos livros Valores para Viver e Livro dos Sentimentos, entende que um dos objetivos da literatura é oferecer ao leitor experiências, colocar o leitor em situações que ele jamais viveria no mundo real. "Se há realmente algum elemento terapêutico é o crescimento que o leitor pode tirar das experiências proporcionadas pela leitura. Mas tentar orientar as conclusões tiradas a partir de um livro é cair num didatismo burro, redutor", diz Maria Isabel, que relaciona obras literárias a emoções humanas em seus livros.


Na era em que especialistas são consultados mesmo para as ações mais naturais do homem (vide os personal stylists, personal trainers e correlatos), não é incomum que os clientes se dirijam às livrarias em busca de orientações de leitura, sobretudo as que aparentemente possam ajudá-los, como as que abordam situações semelhantes às vividas por eles. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, atendentes-consultores são cada vez mais comuns nas lojas.


Aqui no Brasil, a prática ainda não está tão disseminada. Nas cinco unidades da Livraria da Vila, em São Paulo, os atendentes não são treinados com essa finalidade. "As orientações que nossos vendedores recebem são para torná-los capazes de entender o que os clientes procuram e indicar livros, mas sem nenhuma responsabilidade terapêutica", explica Samuel Seibel, diretor da rede.


Nas palavras de Sérgio Rodrigues, os melhores livros são os que nos desorientam, os que, em casos extremos, podem até nos colocar em crises, de tanto nos fazer pensar. "Mas não é isso que propõe a School of Life de Londres. A idéia é que o leitor embarque em uma experiência segura, que talvez não seja tão intensa e completa como poderia ser", conclui o autor de As Sementes de Flowerville.


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