10 de março de 2009

Brasil - Excomunhão e Diálogo

Neste mês de março, as comunidades cristãs populares celebram a preciosa memória do martírio de Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado por militares ligados ao governo do país. O seu crime foi ter consagrado sua vida à defesa intransigente dos mais pobres e perseguidos pelo regime. Dom Oscar Romero e Dom Helder Camara foram os bispos latino-americanos mais dedicados a aplicar a renovação da Igreja, proposta pelo Concílio Vaticano II (1965) e que estes mesmos atualizaram para a América Latina na famosa conferência dos bispos de Medellín (1968).
Desta época para cá, muita coisa mudou na Igreja e no mundo. Em sua comovente carta circular de 2009, Dom Pedro Casaldáliga começa citando o cardeal Martini, ex-arcebispo de Milão que, em uma entrevista publicada em livro, declarou não ter mais os mesmos sonhos a respeito da renovação da Igreja. Dom Pedro contextualiza o que ele quis dizer e explica: "Ele e milhões de pessoas na Igreja sonhamos com a «outra Igreja possível", ao serviço do "outro Mundo possível".
De fato, graças a Deus, no Brasil, continuamos sempre a ter exemplo de bispos católicos, tanto mais velhos, quanto mais novos, simples, despojados, abertos ao diálogo com o povo, sensíveis aos pobres e que, mesmo em meio a uma conjuntura desfavorável e às vezes contrária, procuram seguir as orientações do Concílio Vaticano II, como Dom Romero fez e propunha.
Na contramão deste espírito, o povo brasileiro é surpreendido por duas notícias diferentes: Dom José Cardoso, arcebispo de Olinda e Recife, excomungou publicamente médicos/as, enfermeiros/as e até a mãe da criança que, grávida aos nove anos de idade e de gêmeos, foi submetida a um aborto cirúrgico clinicamente recomendado e de urgência. Segundo o médico, morreriam, ela e as crianças, se não fizessem a operação. Como o arcebispo condenou os médicos e não deu uma palavra sobre o padrasto que a estuprou, os jornalistas o questionaram. Ele respondeu: "O estupro é menos grave do que o crime do aborto".
Nos mesmos dias, em João Pessoa, o arcebispo Dom Aldo Pagotto suspendeu da ordem sacerdotal o padre Luiz Couto, deputado federal dos mais votados no Estado, porque este declarou em uma entrevista a uma revista ser favorável ao uso da camisinha e à liberdade dos padres casarem (celibato livre e facultativo). Acontece que neste momento, o padre Couto, coordenador da Comissão de Direitos Humanos que investiga os crimes do esquadrão da morte, está ameaçado de morte pelos grupos da fronteira do Estado e, na semana passada, integrantes destes grupos assassinaram o vice-presidente do PT em Pernambuco.
Os meios de opinião pública têm comentado estes casos, em geral, falando da Igreja que passa a um "período de trevas" (Alberto Dines) ou que volta ao regime da inquisição e assim por diante. Não é justo.
Além de que a Igreja é uma realidade muito mais ampla e complexa, estes dois bispos não representam o modo de ser e de agir da maioria dos bispos brasileiros. Muitos são conservadores, mas não cruzados de uma ideologia absolutizada e confundida com o Evangelho.
No tempo de Dom Oscar Romero, a proposta da Igreja foi passar desta cultura de excomungar pessoas, por isso ou por aquilo, para a postura radical do diálogo. O papa Paulo VI dizia que o diálogo foi iniciado por Deus e que tudo se deveria tentar resolver, em primeiro lugar, pelo diálogo. Fez sucesso em todo o mundo um livro chamado "Do Anátema ao Diálogo" de Roger Garaudi.
Na altura dos seus mais de 80 anos, na sua carta às comunidades, Dom Pedro Casaldáliga reafirma: "Como Igreja queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica e macroecumênica também. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazermos do nosso Deus o único Deus verdadeiro. "Meu Deus, me deixa ver a Deus?". (...). A Igreja será uma rede de comunidades uma Boa Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade. Seguiremos fazendo que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: "Não será assim entre vocês" (Mt 21,26). "A autoridade seja serviço".
Autor: Marcelo Barros é monge beneditino e escritor
Fonte: Adital

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