8 de maio de 2009

Destacando algumas idéias sobre o Cuidado e a Autenticidade - existenciais da ontologia hedeggeriana

“A busca de uma experiência mais autêntica de vida só ocorre se permitirmostoda e qualquer possibilidade do Dasein , o Ser-aí, desabrochar.Isso significa ser abertura para ampliar novos horizonte”.Danuta D. Pokladek

A primeira característica do Dasein é estar no mundo, sendo confrontado por diversas possibilidades. Ser-no-mundo significa dizer que o homem está ligado à totalidade de conexões que formam a trama do mundo. Ser-no-mundo não é ser nas conexões, mas sim ser as conexões, o que pressupõe uma relação existencial com o mundo, e não apenas uma relação física.

Quando o ser humano se considera parte do mundo, que é regido por leis universais que dão unidade ao cosmos e, portanto, também regem o próprio ser humano, a existência individual e concreta é colocada em um segundo plano, o que quer dizer que o ser humano se coloca como parte do mundo e acaba se perdendo.

Heidegger afirma que o Dasein se dá conta de sua existência através de duas maneiras: pelos humores e pela compreensão.
O sentido do termo humores refere-se à disposição em que alguém se encontra. O Dasein descobre-se em seu ser-lançado e, na maior parte das vezes e antes de tudo, segundo o modo de um desvio que se esquiva. O Dasein descobre-se lançado no mundo sob condições e circunstâncias que vão além de seu controle, que é a facticidade. É também pelos humores que o Dasein se torna consciente do mundo e dos entes, preocupando-se com o mundo, pois é afetado por ele.

Já a compreensão revela ao Dasein o seu modo de ser por meio de suas possibilidades. A compreensão, no sentido heideggeriano, é a projeção de possibilidades. O homem somente sabe dessas possibilidades porque ele as tem. A compreensão está envolta pela preocupação prática, tocando na constituição do ser-no-mundo. Nesse sentido, o mundo se apresenta para os projetos do homem na condição de planos e possibilidades.

O mundo apresenta-se carregado de preocupações práticas do Dasein, ameaçando a sua própria existência. A existência inautêntica, portanto, é quando o Dasein é absorvido por sua preocupação com o mundo, e ao buscar sua segurança no próprio mundo afasta-se de si mesmo.
Um conceito fundamental para se entender a existência inautêntica é o que Heidegger chama decadência. Em sua obra “Ser e Tempo”, há três componentes intimamente ligados: facticidade, existência e decadência. Em termos gerais, a decadência ocorre quando o Dasein foge de si mesmo como seu próprio poder-ser propriamente. E a causa dessa fuga é justamente a angústia que afeta o ser humano.

A decadência significa que o Dasein está imerso no mundo das ocupações e sendo assim, ele apenas cuida de seu cotidiano. Ele é tragado pelas preocupações, seguindo agendas previamente estabelecidas. Conseqüentemente, o Dasein está perdido na impessoalidade, no falatório, no medo, no espanto. Isso quer dizer que ele age determinado pelo coletivo, seguindo a massa e fugindo da possibilidade de uma existência mais autêntica, a qual implica em responsabilidade. Isso reflete em alienação e afastamento do ser humano de suas reais possibilidades e verdadeiro ser.

Estar decaído pode ser extremamente positivo, na medida em que seja possível a mudança acontecer, e o ser humano poder se apropriar de seu ser de forma singular. É a angústia que move esse processo de mudança e é o cuidado que vem ajudar na descoberta do autêntico. De que forma eu tenho que lidar com as coisas significativas da minha vida? Como gerenciar as pressões que surgem e me desalojam do que era familiar, seguro? Como dar à minha existência a singularidade, o autêntico?

É o existencial do cuidado que unificará as três características da análise da existência no desvelamento do ser -a facticidade, a existência (projeto) e a decadência. O humor mostra ao Dasein que ele não tem apenas possibilidades, mas atualidades, revelando a primeira característica: a facticidade. A compreensão da existência é entendida como projeção de possibilidades: projeto. E terceira característica é a decadência, que retrata o Dasein sempre preocupado e ocupado em eventos do dia-a-dia, que em si são inautênticos.

É o cuidado que trará a possibilidade do homem viver uma condição autêntica. Quando o homem é desalojado do âmbito da familiaridade, e deixa de viver na impessoalidade, comodamente determinado pela massa, surge o espanto, a angústia, e ele passa ao âmbito da estranheza, do desconhecido, tendo que assumir sua própria responsabilidade e buscando uma ética pessoal nascida de sua própria experiência.

Steiner escreve o seguinte a esse respeito: “O ser-no-mundo perdeu-se indolentemente (mas de modo absolutamente inevitável) no que está à sua disposição, no que está simplesmente aí. Mas esta perda gera uma insatisfação produtiva. Expõe o Dasein ocupado, vazio, à vertigem do inquietante. No seu estonteamento, o Dasein anseia e quer para além de si próprio. Ontologicamente, diz Heidegger, a insatisfação e o desejo pressupõem a possibilidade do cuidado”. Mais adiante em seu texto, o mesmo autor diz: “É o cuidado que confere sentido à existência humana, é ele que faz a vida humana significar.”

A condição autêntica só é possível através do cuidado exercido pelo homem. Em uma palavra, Dasein é cuidado.É importante ressaltar que o cuidado só se dá no “horizonte da temporalidade” (frase que o próprio Heidegger reconheceu ser central para sua concepção), ou seja, o cuidado se faz presente na existência do homem enquanto um ser-lançado (passado), dentro da facticidade do aqui-e-agora (presente), projetando-se em sua existência a partir de suas escolhas (futuro).

A angústia que desvela ao Dasein a possibilidade da existência autêntica. Trata-se aqui da angústia que mostra ao Dasein a finitude e os limites de suas possibilidades, que leva à consciência do vazio de sua existência. Como já foi dito anteriormente, é a angústia que nos desaloja, que nos dá a impressão de não estarmos em casa. No cotidiano, pautado pela impessoalidade, o Dasein não assume sua existência como algo seu. É nesse momento que a angústia chega e rompe esse conforto. Essa angústia nos impele a sermos nós mesmos, uma vez que diante dela, reconhecemos nossas possibilidades. Ser realmente quem sou, assumindo uma existência autêntica ou me perder mais uma vez na condição inautêntica, imersa nas preocupações do cotidiano.

A compreensão do homem como uma projeção de possibilidades, coloca diante do Dasein a possibilidade da morte, que é a impossibilidade absoluta da presença. Nesse sentido, o homem reconhece a sua individualidade, pois não somos nós quem morremos, mas cada um, individualmente. Heidegger afirma que a morte “desentranha-se como possibilidade mais própria, irreversível e insuperável”.

Não escolhemos a nossa morte, somos lançados a ela. O Dasein é, portanto, ser-para-morte. Esse aspecto do Dasein é negado na existência inautêntica, ao passo que na existência autêntica procuramos assumir essa possibilidade, percebendo que a morte, ao nos revelar nossa finitude, nos abre um leque de possibilidades do ser.

É importante sinalizar que a condição autêntica não é assumida de uma vez por todas, pois a existência é marcada pela ambigüidade do existir autêntico e inautêntico.

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