13 de agosto de 2009

Rousseau e o Discurso Sobre a Desigualdade

O Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens (1755) marcou definitivamente a Filosofia, o Direito e as Ciências do Homem que estavam por nascer. Texto carregado de emoções, examina uma questão fundamental do direito político: “qual é a origem da desigualdade entre os homens, é ela autorizada pela lei natural?” A resposta de Rousseau é direta. A desigualdade não está dada na natureza e resulta do progresso do homem na história. É preciso, nesse caso, fazer um exame do estado de natureza e do homem natural.

O método rousseauniano é claro: a investigação do homem – um exercício de Antropologia Filosófica – deverá responder à pergunta de natureza jurídica. Evidentemente o estado de natureza e o homem natural não existem mais e, muito provavelmente, nunca existiram. Ainda que construídos racionalmente, funcionam como ponto de referência, um estatuto ético para o qual devemos olhar para bem julgar o nosso estado atual. Mas, de modo geral, qual é a descrição desse estado e desse homem? Primeiro, o estado de natureza era o mais adequado à felicidade e ao bem estar dos homens. A natureza, sempre pródiga, garantia aos homens de poucas necessidades o suficiente para a preservação da vida. No homem do estado de natureza, Rousseau vê apenas três paixões: desejo de nutrição, de reprodução e de repouso. Também não conhecia a morte que tanto atormenta o homem sociabilizado, sendo a dor seu único temor. A própria ordem da natureza determinava aos homens uma constituição robusta, saudável e perfeitamente adequada às dificuldades com as quais eles se deparavam cotidianamente. Livre e vivendo em condições de igualdade – a natureza não faz distinção entre os seus filhos –, o homem natural era transparente e agia sempre conforme as suas intenções e a sua vontade.

Mas o homem natural precisou mudar e saiu desse estado primitivo em direção ao estado social. Esse processo de transformação não foi, em momento algum, colocado em movimento por ato de vontade do próprio homem. Inventar e aperfeiçoar a linguagem, viver em família e usar da dissimulação, por exemplo, são situações que não estão relacionadas a um ato de liberdade; aceitá-las ou recusá-las não eram alternativas às quais os homens tiveram o direito de optar. Nesse sentido, o pecado e a culpa pela saída do estado de natureza pertencem à própria história e não ao homem. Assim, é justamente essa necessidade histórica – a mudança – que explica a origem da desigualdade e o seu progresso.

A primeira forma de desigualdade, entre ricos e pobres, nasceu com o estabelecimento da propriedade privada: o primeiro grande mal histórico e verdadeira fonte de todas as outras formas de desigualdade. Já o segundo tipo de desigualdade foi articulado para legitimar a propriedade privada: a criação dos governos e das leis, que separou os homens em poderosos e fracos. O nascimento histórico do estado civil, nessa perspectiva, não visou a segurança e o bem estar dos homens, mas tão somente a legitimação da propriedade. Mas o grande mal, na descrição rousseauniana da própria desigualdade, atingiu seu ápice quando suprimiu a liberdade e opôs os homens em senhores e escravos. Nesse momento, voltamos a um estado de selvageria e os homens, agora, tornaram-se novamente iguais porque, suprimidos do direito à liberdade, perderam a própria humanidade.

Ericson Falabretti é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (SP) e professor de Filosofia da PUCPR.

Fonte: Gazeta do Povo

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