19 de outubro de 2009

Amor e liberdade

Helder salvador*

O ser humano está condenado a ser livre, proclamou o grande filósofo Sartre. Mas quando? Como? O ser humano é livre quando possui a si mesmo e determina as linhas da própria existência não sob a pressão externa, mas sobre a base de escolhas pessoais. Afirmar a liberdade não significa abandono, facilidade, rejeição do sacrifício, mas, sim, assunção de todas aquelas renuncias que a liberdade leva consigo, até a alcançar o dom da própria vida. E aqui a liberdade e o amor se encontram, pois o gesto supremo do amor é o dom da vida que é também o ato supremo da liberdade. Não existe autêntico amor que não seja livre. Pois o ato supremo da liberdade é o amor, e não se pode falar de autêntico amor se este não é livre. Não existe de fato amor sem liberdade. O ser humano não pode realizar-se plenamente que no dom e na comunhão.

O amor é o conteúdo fundamental da liberdade. Liberdade e amor não são etapas sucessivas de um processo, próprio porque são indissociáveis. A liberdade começa lá onde começa o amor, e o amor onde começa a liberdade. Não se pode então pensar que o ser humano livre deva escolher entre amor e egoísmo: o ser humano que não escolheu o amor ainda não é livre; e quem escolhe o egoísmo não é livre; o ser humano que decidiu de fazer aquilo que quer, na realidade faz só isto que quer das forças externas ou internas que não são ele. O egoísmo reprime as suas possibilidades mais belas e maiores. Por isto as concepções egoístas e hedonistas da liberdade são repressivas. O egoísmo é uma forma de dependência alienante, também quando se apresenta em nome da liberdade. Dependência dos instintos, qual se dá livre curso, do qual se é manipulado e atrapalhado. Dependência também dos outros; paradoxalmente o egoísta que tende a escravizar os outros, é na realidade escravo de si mesmo. Ele, que procura sempre de receber sem dar, tem necessidade dos outros e é exposto a ser desiludido. Quem ama é de fronte aos outros em relacionamento de dom, em estado de profunda liberdade.

A liberdade invoca o amor, o amor invoca a liberdade. Chega-se assim à afirmação cristã da centralidade do amor. Não se pode amar sem ser si mesmos sem escolher o outro. Querer o bem do outro não significa impor-lhe um elemento externo, mas promover a sua liberdade. Só quem ama a liberdade do outro, ama verdadeiramente.

Quero que tu sejas. Amar quer dizer que o outro seja e seja plenamente. Afirmar o outro e promovê-lo no seu ser é o verdadeiro significado do amor. O amor é o desejo de promoção. O eu que ama, quer antes de tudo a existência do Tu; quer, além disso, o desenvolvimento autônomo do Tu. Cada amor autêntico é incondicionado, desinteressado e fiel. Incondicionado quer dizer que se volta verso o outro não para aquilo que tem, mas para aquilo que é. O amor é desinteressado, isto é não busca a própria vantagem em detrimento do outro. O amor é, pois, fiel a uma pessoa concreta; não se trata de uma fidelidade abstrata e vazia.

O amor é a realização mais completa das possibilidades do ser humano. Este acha no amor a maior plenitude do próprio ser. O amor é o ato que realiza no modo mais completo a existência da pessoa. Necessita, porém, que o amor seja autêntico. Os usos hodiernos, que muito reduz o amor à só forma de contato afetivo ou sexual, subvaloriza as formas do verdadeiro amor. "O amor, antes que uma relação consecutiva a duas pessoas, é a criação originária de um âmbito efusivo dentro do qual, e somente dentro do qual, pode dar-se ao outro como outro".

Na realidade, nenhuma liberdade pode ser autêntica fora do contexto de uma relação de amor. Para chegar à maturidade da liberdade, o ser humano deve passar através o amor. O amor como reconhecimento e promoção do outro, é o verdadeiro campo da liberdade. O amor é então o sinal da liberdade amadurecida e o ambiente onde amadurece a liberdade. Um ser humano que não vive um verdadeiro amor na sua vida, não pode dizer-se um ser humano completo e verdadeiramente livre. De outra parte a certeza de ser amado não é menos necessária para uma vida verdadeiramente humana.

Helder Salvador é professor de Filosofia da Faculdade Salesiana de Vitória.

Fonte:Agazeta

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