28 de dezembro de 2009

Faleceu o Edward Schillebeeckx, ‘um teólogo feliz’



“Sou um teólogo feliz”. Assim se definia Edward Schillebeeckx, que faleceu aos 95 anos de idade às vésperas do Natal em Nimega (Holanda). Foi um dos teólogos católicos mais prestigiosos e uma das personalidades mais influentes na mudança de paradigma do cristianismo durante a segunda metade do século passado, além de protagonista na renovação da teologia e da Igreja católica.

Nascido em Amberes, metrópole da Bélgica flamenca, no seio de uma família de 14 irmãos, ingressou na Ordem dos Pregadores aos 19 anos atraído pela abertura dos Dominicanos ao mundo, pela dedicação ao estudo, ao trabalho de pesquisa e à teologia centrada na pregação. Ele mesmo tornou realidade com acréscimo estas quatro características em sua vida religiosa e em sua atividade intelectual.

Estudou filosofia em Gante e Teologia em Lovaina com uma orientação tomista clássica, que ele renovaria durante os primeiros anos de docência. Depois da II Guerra Mundial, foi para a França para fazer o doutorado em Le Salchoir e estudar na Sorbonne. Em Salchoir se encontrou com os teólogos Marie-Dominique Cheny, punido então pelo Santo Ofício, e Yves Marie Congar, que sofreu vários desterros por conta de seu ecumenismo. Na Sorbonne teve aulas com os filósofos Le Senne, Lavelle, Wahl e Gilson.

Em 1947, iniciou sua carreira docente em Teologia Dogmática em Lovaina para renovar o pensamento tomista, preso na neoescolástica, e abri-lo às novas correntes filosóficas. Os escritos deste período se caracterizam pelo uso do método histórico frente ao dominante dogmatismo de manual, e pelo perspectivismo gnoseológico, que buscava uma síntese entre a fenomenologia e o tomismo. Em 1958, passou a ensinar Teologia Dogmática e História dos Dogmas na Universidade Católica de Nimega até a sua aposentadoria.

Teólogo de confiança do episcopado holandês, na época progressista, foi assessor no Concílio Vaticano II e um dos principais inspiradores de não poucos dos documentos conciliares relativos à Revelação, lida desde a perspectiva do método histórico-crítico, e da Igreja em diálogo com o mundo. É proverbial a este respeito sua afirmação: “Fora do mundo não há salvação”, que contrasta com o aforismo excludente “Fora da Igreja não há salvação”. No Concílio se encontrou com Joseph Ratzinger, de quem disse: “Já então havia nele algo de que não gostava. Nas reuniões não falava nunca”.

Para manter o espírito do Concílio, criou em 1965, junto com Congar, Rahner, Metz, Küng e outros teólogos progressistas, a Revista Internacional de Teologia Concilium, editada em oito idiomas, entre eles o espanhol, que hoje chega ao número 332.

Processado três vezes

Foi processado em três ocasiões pela Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício): em 1968, por sua atitude aberta para com a secularização; em 1979, por seu livro Jesus. A história de um vivente (São Paulo: Paulus, 2008), a melhor cristologia do século XX; em 1984, por O mistério eclesial, onde justificava a presidência da eucaristia por parte de um ministro extraordinário não ordenado. Saiu ileso dos três e inclusive bem, já que conseguiu desmontar as acusações de seus inquisidores com lucidez de argumentos, brilho de exposição e finura teológica.

A sensação que temos, as teólogas e os teólogos, após a sua morte é de orfandade, apenas superada pela leitura de suas obras, que seguirão iluminando o itinerário do cristianismo do século XXI pela senda da interpretação, do diálogo com as culturas de nosso tempo e do compromisso com a justiça.

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