25 de maio de 2010

A filosofia da vida cotidiana

A filosofia abdicou de sua razão de ser e cedeu terreno à religião ao abandonar a reflexão sobre como se deve viver e restringir-se à “desconstrução, genealogia e arqueologia” dos sistemas de pensamento do passado. Esse diagnóstico foi um dos motivos que levaram o filósofo, professor universitário e ex-ministro da Educação da França Luc Ferry a buscar uma forma mais acessível de apresentar os grandes temas filosóficos ao público não iniciado. Falar de filosofia, acredita Ferry, é tratar dos temas cotidianos da existência humana: o outro, o amor, a morte, a felicidade, a dor, a transcendentalidade.

O filósofo é um dos convidados do 6º Fórum Político Unimed/RS, que se realiza amanhã, das 8h30min às 18h, no Centro de Eventos da BarraShoppingSul. Não há mais vagas para o evento. Mais informações no site www.unimed.com.br/forumpoliticounimedrs

A seguir, uma síntese da entrevista de Ferry, concedida por e-mail:

Zero Hora – Há um “novo ateísmo” defendido por autores célebres como Richard Dawkins, Christopher Hitchens e o senhor mesmo? Nossa época é mais receptiva a esse tipo de reflexão?

Luc Ferry – Eu sou descrente, agnóstico, mas o ateísmo militante sempre me pareceu absurdo. Primeiro, porque respeito as religiões, mas também porque não se pode evidentemente demonstrar a inexistência de Deus mais do que sua existência.

ZH – A polêmica sobre a proibição da burca está viva na França e na Bélgica. Não é o caso da Grã-Bretanha, um país com muitos imigrantes. O senhor tem uma explicação para esse fenômeno?

Ferry – Francamente, a burca é um horror, e todas as mulheres livres no mundo árabe suplicam literalmente aos ocidentais que não deixem o islamismo radical mais fanático se desenvolver. Eu respeito profundamente a religião muçulmana, mas a burca não é um signo religioso. É uma postura política agressiva. A Grã-Bretanha se deixa de quando em quando devorar pelo fanatismo em nome de uma lógica de tolerância de guetos que considero detestável. É um pouco como os guetos negros americanos, que não deram nada de bom e mesmo levaram à catástrofe. Eu creio que meus amigos ingleses acabarão pagando muito caro por isso...

ZH – O senhor escreveu sobre a importância da redescoberta da filosofia pelos jovens na série Aprender a Viver. Mas há muitos leitores mais velhos que compram e leem essas obras. O que é mais difícil: a conquista de novos leitores para a filosofia ou o convívio com a crítica de colegas que temem uma suposta banalização dos conceitos filosóficos?

Ferry – O que ocorreu foi que vimos na arte como na literatura e na filosofia o fim das vanguardas. Por definição, os autores de vanguarda não se dirigiam ao povo, à massa, mas sempre a uma elite. Eles estavam “à frente”, eles eram os guias geniais, como Stalin ou Kim il Sung. Hoje, todos os filósofos e escritores de minha geração se reconciliaram com a democracia, como antes de nós haviam feito os maiores. Sejam de esquerda ou de direita, se dirigem a todos e escrevem claramente. Nos reencontramos com o ideal democrático. Lembro que Rousseau, Voltaire ou Sartre eram lidos pelo povo, como Kundera, Philip Roth ou García Márquez hoje. Derrida é um total desconhecido assim que você deixa o solo das universidades americanas. Jamais encontrei um não-universitário que tenha lido Derrida. Essa época vanguardista, que não construiu nada de bom ou grandioso, ficou para trás.

ZH – O que a filosofia pode ensinar aos jovens?

Ferry – Nossas sociedades, pelo menos na Europa, têm os direitos do homem e o mercado, ou seja, o respeito ao outro e à riqueza. Em sentido contrário, elas carecem de espiritualidade, são desprovidas de sentido, e é isso que empurra os jovens em direção à droga ou às seitas. Para entender bem isso, é preciso evitar uma confusão que, por ser muito frequente, sacrifica de saída toda compreensão da noção de espiritualidade laica: é, de fato, indispensável distinguir claramente dois tipos de valores: os morais de um lado e os espirituais, de outro. Nada é mais prejudicial ao entendimento da filosofia, mas sobretudo da realidade humana, do que misturar essas duas esferas claramente distintas. Constantemente, a confusão se instala entre elas, não somente no interior do debate público e político, mas por vezes também na literatura filosófica onde o termo vago e geral “ética”, empregado a torto e a direito, vem borrar permanentemente as fronteiras. As coisas são, porém, muito simples. A moral, em qualquer sentido que a entendamos e qualquer que seja sua doutrina de referência, é, em primeiro lugar e antes de mais nada, o respeito ao outro, a quem é preciso dar as boas-vindas, a generosidade e mesmo, usemos a palavra, a bondade.

ZH – A filosofia tem cumprido o seu papel no mundo contemporâneo?

Ferry – Uma das grandes falhas intelectuais do período contemporâneo é que, sob efeito do fortalecimento das ciências humanas e do pensamento do inconsciente, a filosofia cedeu muito frequentemente à tendência de desertar das interrogações sobre a sabedoria e a vida boa, a deixar, sendo resolutamente laica, o terreno das espiritualidades às religiões. De repente, a filosofia se reduziu na maior parte do tempo a ser a crítica da tradição, a ser a desconstrução, genealogia ou arqueologia dos sistemas de pensamento anteriores. E quando quis ser mais positiva, limitou-se no essencial a uma reflexão sobre a esfera moral e política, como se vê, por exemplo, em autores, de resto muito respeitáveis, como Rawls e Habermas. Mas desertou-se do essencial da filosofia, que fazia seu nome e seu objetivo: a sabedoria, essa aprendizagem da vida boa sem a qual a noção mesma de filosofia não teria nenhum sentido nem a menor razão de ser.

ZEROHORA.COM

Leia a íntegra da entrevista em www.zerohora.com/segundocaderno


Colaborador
:Rodney Eloy

Fonte
:ZeroHora

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