4 de maio de 2010

"Lost", um terreno fértil para a filosofia

Quem somos? Como actuamos fora da nossa zona de conforto? Podemos moldar-nos ao meio externo? Ou começar do zero? Questões básicas de filosofia parecem encaixar-se nas linhas narrativas de "Lost" e há mesmo livros a debruçarem-se sobre o tema.

Simone Regazzoni, escritor e professor de filosofia, pôs mãos à obra. Ressaltou-lhe, de antemão, as muitas menções a filósofos. Alguns dão mesmo nome a personagens, como é o caso de John Locke, Jean Jacques Rosseau, na ficção, nome atribuído a uma mulher (Danielle), e David Hume.

Com o desenrolar da história, à medida que as personalidades se vão revelando, outros sinais relativos a correntes filosóficas se soltam. Como se essas teorias entranhadas tivessem à espera de uma oportunidade para darem de si.

Bem, pelo menos o caso de John Locke, papel de Terry O'Quinn, um dos resistentes entre os que sobreviveram na ilha, parece sustentar esta tese defendida no blogue Lostpedia. John Locke, refira-se, é um filósofo inglês do século XVII defensor do empirismo, corrente segundo a qual são as nossas experiências que constroem o conhecimentos, rejeitando, por oposição, a teoria das ideias inatas.

Na ficção, Locke, que era paralítico antes do acidente, converte-se em alguém sem problemas físicos, capaz de superar as maiores adversidades. A um dos episódios da saga deu-se mesmo o nome de tábua rasa. No caso desta personagem, foi-lhe dada a oportunidade de começar de novo. Numa das cenas, Locke atira: "Todos ganharam uma nova vida na ilha, Shannon. Talvez esteja na hora de começar a tua".

O filósofo John Locke também acreditava que, por natureza, os homens têm direitos iguais o que, em termos práticos, justifica, depois, a necessidade de punição dos transgressores. Um dos aspectos integrantes da personalidade de Locke nesta narrativa.

No caso de Danielle Rousseau, a inspiração em Jean Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, perpassa pela teoria de que o homem no estado selvagem seria bom, puro. Este seria era corrompido pela sociedade.

Para o professor de filosofia Simone Regazzoni, esta ficção está construída de uma forma elaborada, precisamente à disposição de ser desmontada. "A série tem uma narrativa muito cuidada, que funciona como um sistema complexo, quando tocas ou descobres uma parte, tudo fica afectado e abre-se um novo enigma", explicou à agência Efe.

Mas Regazonni vai ainda mais longe. A seu ver, "Lost" é um excelente ponto de partida para colocar questões filosófocas básicas. A primeira: quando os passageiros do voo chegaram à ilha, questionam de imediato: "Onde estamos?". E aos poucos, foi-se edificando uma rede social e impondo valores morais.

Outro dos decalques leva-nos até à Alegoria da Caverna, de Platão. Afinal, o que está a passar-se pode não passar de uma miragem. Quem sabe se tudo não se limita a um exercício para que as personagens possam chegar ao que é essencial, autêntico e verdadeiro nas suas vidas?

Há ainda quem insista em ver nas opções de enredo o reflexo dos lados negros de cada uma das personagens, ou seja, a expressão psicanalítica da vida daquelas pessoas inventadas.

Os fãs conhecedores de filosofia identificam ainda citações de pensadores de referência, de que é exemplo "O inferno são os outros", famosa frase do existencialista francês, Jean-Paul Sartre, usada num capítulo para descrever os inimigos.

Para os mais cépticos em tamanha complexidade das personagens, eis que se sobrepõe outra tese, ironicamente também com o que seu quê de filosófico: se calhar a intenção dos autores é deixar os espectadores perdidos.


Colaborador:Rodney Eloy

Fonte:
Jn.sapo

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