9 de junho de 2010

Do sacerdócio à vida em família

Por quatro anos ele atuou à frente de uma comunidade, estruturando e trazendo conquistas à paróquia, a São Paulo Apóstolo. Diante de dúvidas quanto à vocação, decidiu se afastar. Um ano depois namorava, casou-se e hoje tem uma uma filha. Já atuou na política e atualmente é empresário na pecuária.

Para tornar-se padre, Valdir Alberti, hoje com 54 anos, saiu da região rural de uma cidade interiorana, no sul de Minas Gerais, aos 23 anos, em uma missão de padres, que o levou ao seminário, na PUC, em Campinas.
Ele concluiu duas faculdades - Teologia e Filosofia - e um mestrado em Filosofia. "Sou de uma família descendente de europeus, muito religiosa. Foi um padre holandês que influenciou a minha vocação", diz.

Após formado, ele veio para a Diocese de Limeira, onde se ordenou e começou seu trabalho no Jardim Morro Azul. "Eu tive a visão de quem passou de uma área rural para a cidade grande", fala.
Alberti deixou a batina há 19 anos, pois dizia acreditar mais em seu potencial administrador. "Comecei a perceber que minha vocação era muito mais administrativa do que para o sacerdócio, fui amadurecendo minha ideia e então me afastei da Igreja", conta. Ele passou a investir em negócios. Tem uma empresa frigorífica arrendada e se dedica à pecuária, com a criação de bois em fazendas paulistas.

Já passou também pela política. Fundou e estruturou o PSDB em Limeira, foi diretor de Obras do governo Paulo D"Andréa e secretário da Cultura do governo Jurandyr Paixão. "Participei até mesmo de reuniões com Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, fui coordenador das campanhas deles na região", relata.
Hoje, ele diz não querer mais se envolver. Acredita que a política já não cumpre mais seu dever de servir à população. "A definição de política é reger a cidade em favor do bem público e não do bem próprio", justifica.

SAÍDA

Quanto ao afastamento da Igreja, Alberti define que "foi uma saída muito tranquila". "Nunca deixei nenhum problema, muito pelo contrário, deixei tudo organizado, a paróquia organizada com as pastorais, as finanças equilibradas", comenta.

Ele ressalta ainda que nos quatro anos trabalhando na paróquia obteve conquistas e estruturou bem tanto espiritualmente, quanto administrativamente. "Sempre trabalhei muito e até hoje continuo a trabalhar", considera.

O namoro e o casamento aconteceram um ano depois. "Conheci minha esposa e então começamos a namorar e nos casamos", relata. Além disso, ele considera que não teve dificuldades para que a comunidade aceitasse, uma vez que já havia se afastado da Igreja. "As famílias são muito amigas nossas, frequentam nossa casa e nós frequentamos a delas", conta.

Segundo ele, a esposa também não sentiu preconceito ou dificuldades. "Ela sempre foi bem aceita na comunidade, inclusive uma das famílias que mais me ajudou, o casal foi nosso padrinho de casamento, padrinhos de batismo da minha filha", falou. A filha de Alberti tem 17 anos.
Hoje em dia, Alberti já não é tão envolvido com a Igreja, mas continua sendo católico. "Somente vou à missa, tenho contato com padres da paróquia e da região e não tenho nenhuma restrição à Igreja, minha filha por sinal é muito religiosa, frequenta encontrinhos", afirma.

ESCOLHA

Segundo Alberti, a escolha por deixar o sacerdócio foi essencialmente devido à vocação empresarial. "Independente do celibato, eu não fiquei na Igreja mais por uma opção de trabalho, opção pela área econômica", relata.

E ele não se arrepende. "Acho que todo homem tem que ter consciência quando ele toma suas posições. Mesmo que essa posição resulte em algumas dores, serve como experiência positiva", considera. "Tudo que eu fiz na minha vida e venho fazendo é sempre feito com maturidade, com decisão, sempre pensado, impulsionado mais pela racionalidade do que pela emoção", ressalta.
Para ele, o que mais importa é a relação íntima com Deus. "Para mim não é possível viver uma fé sem que ela tenha uma dimensão vertical, mas perspassada pela visão horizontal", fala. "Não adianta uma fé se você não for uma pessoa certa, honesta, amiga, boa, compreensiva e sem ter uma relação profunda de respeito com o ser humano que está do seu lado, independente da sua condição", assegura.


"Igreja falhou no celibato", considera ex-padre

O empresário do setor pecuário Valdir Alberti, 54 anos, que há 19 anos deixou de ser padre, considera que o celibato é uma falha da Igreja Católica.
Ele afirma que o celibato é um dom, que pode ser vivenciado por qualquer um que tenha o recebido de Deus. Mas Alberti acredita que a Igreja poderia permitir o exercício do sacerdócio por padres casados, bem como por padres celibatários.

Veja abaixo o depoimento de Alberti ao Jornal de Limeira em relação ao celibato:

"Eu não creio que o casamento seja solução. Tão difícil é o celibato, como é difícil também o casamento. O que precisa é que as pessoas estejam acertadas, em primeiro lugar.
Quando terminei a faculdade, no meu trabalho de conclusão de curso, eu conclui que há um certo erro teológico, ao meu ver, quando a igreja vincula o sacerdócio ao celibato. O celibato é um dom que pode ser vivido não só pelo padre, mas por qualquer um. É um dom que Deus dá. Assim como é um dom o sacerdócio.
Agora, quando a Igreja, por razões históricas vinculou o sacerdócio ao celibato, penso que ela falhou nisso. E a gente vê aí a grande onda que aconteceu agora, de pedofilia, de homossexualismo.
Tudo isso poderia ser evitado se a igreja tivesse as duas opções: ela poderia ter o padre casado, o padre que não é celibatário e ter o padre celibatário. Não vejo nenhuma restrição. Pelo contrário, eu vejo que o celibato cria muitas desconfianças das pessoas, cria muitas críticas, muitas xacotas, então acaba que as pessoas não compreendem.
Eu penso que a gente vê, por exemplo, muitos pastores das igrejas tradicionais, luteranas, inclusive da igreja católica ortodóxa oriental, onde os padres têm famílias e convivem muito bem, então eu acho que a igreja tinha que repensar isso. Estamos no século XXI, se você ficar insistindo num comportamento que historicamente não tem dado certo..."

Mulheres driblam pressões para se casar com ex-padres

Quando a mãe da cearense Maria Lúcia Moura, de 47 anos, faleceu, ela decidiu estudar Teologia, para entender mais sobre religião e amenizar a revolta que sentiu. Foi quando conheceu José Edson, que ainda estava no seminário e dava aulas sobre o tema, no começo da década de 1990.
Lúcia se entusiasmou com o professor-quase-padre. Mas não entendia direito o que estava acontecendo, e sentia medo de ser algo passageiro. "Quando nos aproximamos de fato, faltava apenas um mês para ele se ordenar", lembra.

O romance veio com toda a força. Fizeram uma viagem para a festa de bodas de prata de um casal amigo dela. "Foi quando nos entendemos", conta Lúcia. José Edson se ordenou e, quando voltaram a se encontrar, ela sentiu que a coisa estava séria. "Naquele momento, ele era padre mesmo. Eu não sabia como seguiria, embora estivesse gostando daquela situação."

José Edson tinha receio de trocar tantos anos de formação por uma história de poucos meses. Mas a relação vingou. Um ano depois, Lúcia engravidou. Apesar de viverem "escondidos", levavam uma vida normal. Ela morava sozinha e, nos fins de semana, davam um jeito de se ver. "Tínhamos de manter certa distância em público. Ficávamos restritos às quatro paredes", conta ela.

Quando a história vazou, os superiores da Igreja o transferiram para a França, onde ficaria por dois anos. "Foi muito triste. Uma despedida horrível", recorda-se Lúcia, cuja filha estava com apenas 1 ano nessa época. A sorte é que ela tinha o apoio da família.
Passados seis meses, o padre voltou para o Brasil. Só que o instalaram em Brasília, ao invés do Ceará, onde estava sua família. Passavam as férias e feriados juntos. Até que Lúcia engravidou da segunda filha e amadureceram a ideia de assumir a relação publicamente.

Mariana nasceu em setembro e, em dezembro, ele celebrou a última missa de sua vida, em Brasília. "Acho que foi muito difícil. Ele gostava das celebrações", reflete ela, lembrando que José Edson esperou muito tempo para ter coragem de deixar a vida religiosa.

DESAFIO MÚTUO

A alemã Irene Ortlieb Guerreiro Cacais, de 70 anos, decidiu ser freira aos 21. Estudou Teologia em Roma e passou uma temporada em Angola, como missionária. Após sete anos, sentiu que o convento não era o seu lugar. "Percebi que tudo o que os superiores diziam ser vontade de Deus era vontade só deles."

Em Angola, descobriu que o descontentamento com a vida religiosa não era só dela. Conhecera um padre português, Luís Cacais, que tinha a mesma visão. Passaram a se encontrar, em uma praça pública, para desabafar, e ficavam por ali conversando. "Tínhamos um bom entendimento", diz.
Irene garante que sair do convento foi mais difícil do que entrar. "Foi uma luta interior, tinha voto perpétuo.

Mas nunca me arrependi." Voltou para a Alemanha. E logo começou a dar aula de religião. Um mês depois, soube que o padre Luís Cacais havia pedido licença de Roma para morar no Brasil. Trocaram correspondências durante um ano, até que decidiram se casar e ela viajou para Brasília. "Resolvi arriscar, mas tinha a passagem de volta, caso não desse certo. Se ele não fosse quem imaginava, voltaria para a Alemanha." Ela chegou a Brasília em julho e, no dia 18 de outubro de 1975, se casaram na igreja e no civil. Com o dinheiro da passagem de volta, comprou uma geladeira.

Irene conseguiu uma vaga como secretária na Embaixada da Alemanha no Brasil. O marido foi trabalhar com o irmão, que tinha uma empresa de construção civil. Também fazia tradução, formou-se em Administração e foi trabalhar no Instituto Goethe. Três anos depois, tiveram o primeiro filho.
Hoje são aposentados, mas continuam na ativa. Ele escreve livros, artigos para revistas e faz traduções. Ela é dona de casa e faz trabalhos voluntários. Jamais se arrependeu de ter entrado no convento. "Não queria que faltassem esses 14 anos na minha vida. Ganhei muito e amadureci com a experiência."

CULTOS

A pedagoga Maria Regina Albuquerque de Queiroz, de 66 anos, lembra que, durante a ditadura militar, muitos padres destacaram-se pela cultura e politização. E alguns deixaram a batina para constituírem família. Ela própria envolveu-se numa situação assim.

Conheceu Mauro de Queiroz no colégio onde lecionava português. Ele era vigário e diretor de um dos cursos da escola, na pequena cidade de Recreio, Minas Gerais. Havia um certo afeto Mas a amizade foi interrompida quando Regina deixou sua cidade para morar na capital e, em seguida, veio para São Paulo. Apesar da distância, nunca deixaram de se corresponder. "Aí foi acontecendo."

Mauro, que já protestava contra algumas situações do País, pediu licença da igreja. Queria trabalhar para se manter, mas sempre sentindo necessidade de estudar. Logo, veio parar em São Paulo. Em um ano, se casaram. "Casar é humano", justifica Maria Regina. Foram bem recebidos por ambas as famílias. E o fato de terem saído de Recreio permitiu um certo anonimato, embora nunca tivessem negado sua história. Hoje têm três filhos e dois netos. O marido se formou em Jornalismo, e diz que aprendeu a levar a vida fora do seminário com os amigos do trabalho. "Somos uma família comum", resume Maria Regina.

ENGAJADOS

Com o sonho de construir um hospital mais humano para a comunidade e a pretensão de ter um País mais democrático, um grupo de profissionais de diversas áreas conviveu muito próximo do então jovem padre Abel, hoje com 78 anos. Entre eles, a auxiliar e técnica de enfermagem Neide de Fátima Martins Abati, hoje com 71 anos.

O grupo estava imerso na ditadura militar, e ajudava as famílias de presos políticos e as vítimas de violência. Foi quando Abel decidiu sair do hospital e ser um padre leigo, pois discordava das questões da igreja, e não tinha a oportunidade de ser ouvido. Mais tarde, o tema casamento entrou no programa de estudos de um grupo de padres. E aí foi um pulo para muitos largarem a batina em busca de um amor.

Abel e Neide descobriram muitas coisas em comum. "Tínhamos mesmos ideais, mas a decisão de namorar levou muito tempo." A família dela não aceitou logo de cara. Eram religiosos, a mãe já tinha idade.
Ela tinha 32 anos e ele, 30. Casaram-se na igreja, apesar de ter sido difícil encontrar uma que os aceitasse. "Foi um casamento bem moderninho. Meu vestido era branco e curto", descreve, aos risos. Hoje têm quatro filhos, três netos e mais um a caminho. "Não nos arrependemos de nada", resume ela.


Fonte:JornaldeLimeira

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