1 de julho de 2008

“Basta morrer para ficar bonzinho”

O coveiro Osmayr é formado em filosofia:
"Me considero um cético, como Kant"

Trabalho muito próximo da morte.
Além disso, graças ao meu estudo em filosofia, me considero um cético. (O filósofo alemão Immanuel) Kant, por exemplo, acha por bem se afastar da metafísica. Assim, ele prefere deixar Deus como um postulado, uma hipótese plausível. Para ele, as coisas existem na medida em que sua razão alcança. Tenho a mesma posição de Kant.

Desde menino me interessei pela filosofia. Aos 10 anos, conheci Isaac Newton e o achei um gênio. Quando já era coveiro, passei no vestibular do Mackenzie e acabei ganhando uma bolsa de estudos. Hoje sou bacharel em filosofia. Mas não saio do cemitério, não.

Na hora do enterro, tem gente que chora, desmaia, grita. Teve até quem tentou me agredir. Mas não há nada de extraordinário na reação das pessoas. Afinal, elas não querem se separar daquele corpo, né? Elas estão se despedindo não só do cadáver, mas também da amizade, do amor, da relação. Nesse momento, há, na cabeça delas, um embaralhamento entre o campo sensorial e o inteligível.

O sepultador deve ficar sempre numa quase ausência. Porque não posso estar tão presente de modo que a atenção se volte para mim. Também não posso me mostrar tão ausente de modo que não se perceba o que estou fazendo. Pois o ato de sepultar, no Ocidente, é um ato importante, é um ato de misericórdia. Como diz a Bíblia, é necessário devolver o corpo ao Senhor.

Você tem que estar atento. Dentro de um túmulo, pode encontrar lacraias, escorpiões e até cobra. Uma laje mal pregada pode cair em cima de você. Tem que ter atenção também com quem te rodeia – às vezes o cara se joga em cima do caixão enquanto está baixando.

Quando estão ao pé do túmulo, as pessoas pedem para colocar uma rosa, ou então comentam os feitos do morto, tentam tornar o cara um herói: “Esse aí foi um batalhador”, essas coisas. Como diz Machado de Assis: basta morrer para ficar bonzinho.

O dia em que chorei alto foi no sepultamento de um policial militar. O que me emocionou foi a filhinha dele. Na hora de baixar o caixão, ela falou para mim: “Moço, fala para o meu pai levantar”. Aí, enquanto estava baixando o caixão, senti minhas costas molhadas. Achei que estivesse suando, mas eram as lágrimas da garotinha. A menina gritava e eu me senti profundamente impotente. Aí eu chorei alto. A simplicidade e a inocência da menina me tocaram.

Fonte: Época São Paulo

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu já ouvi falar desse coveiro filósofo. Bacana as colocações dele sobre a vida e à morte. Por que será que nós seres mortais sempre estamos com nossos focos voltados para a incognita da morte e o que ela realmente representa? Também acho interessante a vida desse homem, que passa muito tempo em um cemitério. Penso que ele deve ter muitas experiências e sobretudo muitas dúvidas.

Rodney Zorzo Eloy disse...

Amigo Roberson Marcomini e Marcão, parabéns por este importante ESPAÇO para APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E REFLEXÃO DE IDÉIAS!!!!!!

Estou sempre por aqui!!!!

Altheia?

só se for Agorah!