27 de setembro de 2008

Prova sociológica da Ressurreição de Jesus

Os cristãos se acostumaram, durante uma história de dois mil anos, a ver na cruz o grande sinal de honra de sua religião. O símbolo venerável de um Deus que havia se tornado homem. O signo da graça divina, pelo qual nossa redenção se havia confirmado. tudo isso é verdade, mas em nada corresponde ao significado que essa cruz possuía, na época de Jesus.
Na Palestina de Jesus, a cruz não era símbolo de honra. Pelo contrário, era sinal de desprezo e de vergonha. Expressão do fracasso existencial de uma pessoa, de exclusão, de tal maneira que uma pessoa crucificada tornava-se desprezada e excluída de toda a comunidade humana. Quem era crucificado tornava-se uma "não pessoa" aos olhos de seus contemporâneos, sobre a qual não se podia falar. Um crucificado devia ser extraído da memória do povo e esquecido por todos. Era esse o veredicto que pairava na cruz.
SER CRUCIFICADO SIGNIFICAVA SER MALDITO E REJEITADO PELO PRÓPRIO DEUS (cf. Dt 21,23; Gl 3,13).
Além de todo esse julgamento social e político, pesava sobre o crucificado também o veredicto de Deus: "Maldito por Deus aquele que pende na cruz!" (Dt 21,23). Quem era crucificado não era só rejeitado pelos homens e suas instituições sociais, mas também por Deus: era maldito, cuspido para fora e capido das mãos de Iahweh.
Assim a religião da época compreendeu a cruz, que se tornou a razão definitiva pela qual o Templo, na época, fez tudo para que Jesus fosse crucificado. Porque, uma vez crucificado, ficava provado perante todos que esse Jesus não era o Messias.
Um Messias não pode ser maldito por Deus. Esse Jesus, porém é maldito, porque pende na cruz: essa foi a interpretação da cruz, na época, e a convicção que foi proclamada pela instituição religiosa do Templo, em nome de Deus. "Um crucificado é um maldito por Deus. E de um maldito por Deus não se pode falar. Ora, deste Jesus nunca mais se poderá falar".
Essa conclusão havia marcado também os seguidores de Jesus. Para eles, sua morte produziu uma crise em todos os níveis. eles haviam confiado em Jesus, acreditando ver nele o Filho de Deus. Esse Filho de Deus, no entanto, morreu a morte mais vergonhosa que se podia imaginar. Morreu de uma morte da qual os próprios textos sagrados diziam que era sinal de maldição por porte de Deus. Por último, o próprio Jesus, morimbudo, bradava da cruz aquele grito escandaloso de um abandonado por Deus: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" (Mc 15,34; Mt 27,46).
Diante desses fatos históricos desmoronou, de maneira total, a confiança em Jesus. Seus discípulos fugiram para a Galiléia e se calaram. Eles tinham visto, de perto ou de longe, como este Jesus morreu num último e total abandono por parte de Deus. E alguém que morre assim não pode ser aquilo que tinha pretendido: Filho de Deus. A prórpria morte na cruz, abandonado por Deus, provou que Deus não estava ao lado de Jesus.
Com a morte na cruz tinha terminado todo o prestígio de Jesus e, consequentemente, era eliminado da história também todo o seu projeto.
Naquela sexta-feira, a causa de Jesus estava eliminada, morta, liquidada para sempre e para todos. Era essa a situação e, perante ela, devemos voltar à nossa pergunta inicial: por que, ainda hoje, falamos de Jesus? Porque os discípulos dele, depois de terem fugido para a Galiléia, logo voltaram e começaram a proclamar sua fé nele? Eles não o fizeram por causa da cruz. Pelo contrário, voltaram a falar de Jesus, apesar da cruz.
A razão pela qual a causa de Jesus continuou não foi a cruz. Mas ela continuou! Os discípulos, depois de terem se escondido, começaram a falar dele, e a sua mensagem, de antemão, era destinada a ser rejeitada: "...escândalo para os judeus, loucura para os pagãos" (1Cor 1,23).
Como explicar tal ousadia? Como compreender a mudança na atitude dos discípulos? Como interpretar um comportamento cem por cento oposto àquele que pudemos observar alguns dias antes?
A única explicação razoável é aquela na qual todos os textos insistem: depois da morte vergonhosa de Jesus, deve ter acontecido algo que provocou uma mudança total na atitude de seus seguidores. Depois da cruz, os discípulos devem ter tido uma experiência que os convenceu de maneira tão absoluta que nem a cruz e sua sombra poderiam impedí-los de falar de Jesus. Qual foi essa novidade total? Em que consistia a experiência tão tremendamente nova, que até fez desaparecer todo o veredicto sociorreligioso da cruz?
Marcados por essa experiência, os discípulos voltam a falar de Jesus. Voltam a transmitir sua mensagem. Contra todos os preconceitos religiosos e sociais existentes. Contra todas as evidências, começam a declarar o que logo se tornará o primeiro credo da Igreja primitiva: "Jesus de Nazaré...vós o crucificastes e o matastes" (at 2,23). "...mas Deus o ressuscitou" (At 2,24) "...e disso todos nós somos testemunhas" (At 2,32).
Falar de Jesus e de sua mensagem depois da cruz só era possível porque aconteceu algo tão grandioso que até superou o escândalo da cruz.
Eis o fato: Deus ressuscitou Jesus! Esta é a razão pela qual seus seguidores voltaram a transmitir sua mensagem. Esta é a razão pela qual, hoje, fala-se dele: Deus o ressuscitou. Se Deus não o tivesse feito, nunca mais se teria mencionado a pessoa e sua mensagem. De um crucificado não se falava mais. Jesus teria desaparecido nos porões da história, assim como tantos antes dele e tantos outros depois.
Só que não aconteceu assim. Nós falamos de Jesus. Sua mensagem é viva. E ela é viva porque o próprio Deus a ratificou, ressuscitando-o. O fato histórico da existência do cristianismo é a prova da ressuscitação.
O FATO HISTÓRICO DE QUE, DEPOIS DA CRUZ, OS DISCÍPULOS VOLTARAM A FALAR DE JESUS, TORNA-SE SOCIOLOGICAMENTE A PROVA DE QUE A RESSURREIÇÃO REALMENTE ACONTECEU.

Fonte: VILHENA, M. Angela; BLANK, J. Renold. Esperança além da esperança: antropologia e escatologia. São Paulo: Paulinas, 2003.




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