22 de setembro de 2008

Um lugar sob o sol do além

Em dez tópicos macabros, conheça o pensamento fundamental do filósofo e crítico russo-alemão Boris Groys

Tenho lido com muito interesse o filósofo e crítico russo-alemão Boris Groys (1947), ainda praticamente desconhecido no Brasil. Pensei então em fazer para Trópico uma apresentação de seu pensamento.

Posso garantir que é dos mais originais entre a gente que, por ora, vive. A piada vai ficar clara mais adiante. Não por acaso Groys foi escolhido para escrever o catálogo da exposição "The Air Is On Fire", composta de desenhos, fotografias, pinturas e animações de David Lynch, exibida na Fondation Cartier Pour l’Art Contemporain, em Paris, entre março e maio de 2007.

Breve cv: Groys estudou filosofia e matemática na Universidade de Leningrado e deu aulas no Instituto de Lingüística Estrutural e Aplicada da Universidade Estadual de Moscou. Desde 1994, leciona filosofia e teoria da mídia, na Academia de Design (Hochschule für Gestaltung), dirigida por Peter Sloterdijk, em Karlsruhe, na Alemanha.

De sua bibliografia, destacaria "Gesamtkunstwerk Stalin" ("Stalin - Obra de Arte Total", Munique, 1988); "Über das Neue - Versuch einer Kulturökonomie" (Do Novo – Ensaio de Economia Cultural, idem, 1992); "Unter Verdacht - Eine Phänomenologie der Medien" (Sob Suspeita - Uma Fenomenologia da Mídia, idem, 2000); e, enfim, "Politik der Unsterblichkeit" (Política da Imortalidade, idem, 2002) –livro que reúne quatro grandes entrevistas conduzidas pelo filósofo Thomas Knöfel. Esta obra, em particular, ajudou-me a compor o quadro das matérias que passo a expor, com a preocupação primeira de não trair as idéias de Groys, a despeito da minha maior ou menor adesão a elas.


A imortalidade em arte e filosofia

Na perspectiva de Groys, arte e filosofia têm abordagens análogas: uma e outra, para ele, tratam fundamentalmente de questões que não admitem solução e que, por isso mesmo, são imortais.

Em vez de solicitar resposta, como as questões das disciplinas científicas -que são sempre muito efêmeras e cujas contribuições, passado o seu tempo de vigência, apenas permanecem interessantes como objeto de história das ciências-, as questões artísticas e filosóficas existem no âmbito de um espaço “duradouro” da linguagem, no qual os discursos individuais tratam de se inscrever.

A filosofia possui um tipo de discurso ainda mais estável do que o artístico, embora este, por sua vez, reivindique uma duração mais longa. Isto se deve, para Groys, a duas razões.

A primeira, é que a arte tende a ser mais permeável às modas culturais do momento, enquanto a filosofia não precisa acompanhar o estágio atual das ciências. A segunda razão é que, no caso da arte, a forma é sempre decisiva, o que implica apreciações estéticas que variam com o tempo, enquanto na filosofia, as idéias tendem a ser consideradas como se dependessem pouco da sua apresentação.

O mais relevante para Groys, entretanto, é que a dedicação à filosofia ou à arte supõe algum ceticismo face a garantias ontológicas fora da linguagem, da cultura ou da história para sustentação da imortalidade. Tal ceticismo conduz ao que chama de políticas da imortalidade, que são nucleares às atividades artísticas e filosóficas. É preciso compreender bem essa questão para atingir o ponto-chave do pensamento de Groys.

Para começar, a idéia de “política da imortalidade” se opõe à idéia da filosofia como “formação”, ou mesmo como “produção” de conceitos, como a define Deleuze, por exemplo. Para Groys, que nisso segue Wittgenstein, conceitos não são “inventados”: eles preexistem a nós, tanto quanto as questões filosóficas irresolvidas. Mas eles sempre podem ser usados de maneiras individuais novas. Nisto apenas reside a possibilidade de novo posicionamento de cada artista ou filósofo no espaço da arte ou da filosofia. Ou seja, a questão relevante aqui é o uso e consumo de conceitos e não a produção deles. "Don´t ask for the meaning, ask for the use", como na lição wittgensteiniana.

Nessa mesma linha de raciocínio, não há tampouco interesse no estabelecimento de genealogias ou paternidades dos conceitos. Importa, ao contrário, estabelecer estratégias para entrar no “campo” já existente da filosofia ou da arte, cujo análogo mais recorrente aplicado por Groys é um espaço já mobiliado, cujos móveis particulares, entretanto, podem ser usados ou não pelo novo morador.


Fonte: UOL

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