24 de outubro de 2008

Papa adverte cientistas contra arrogância e lucro fácil

Os cientistas nem sempre dirigem suas pesquisas ao bem-estar da humanidade. O lucro fácil, ou pior ainda, a arrogância de substituir o Criador desempenha, às vezes, um papel determinante», afirmou o Papa Bento XVI, em uma audiência do Congresso Internacional sobre o X aniversário da encíclica «Fides et Ratio», da Pontifícia Universidade Lateranense, na sala Clementina do Palácio Apostólico Vaticano.

Nesta encíclica, promulgada em 1998 por João Paulo II, sublinha-se a importância de conjugar fé e razão em sua relação recíproca, ainda que no respeito da esfera de autonomia de cada uma, afirmou o Papa.

Estas jornadas de estudo reúnem até o próximo dia 18 filósofos, teólogos e cientistas de várias nacionalidades, e foram possíveis graças à colaboração entre a Universidade Lateranense, a Pontifícia Academia das Ciências e a Conferência Mundial das Instituições Universitárias Católicas de Filosofia.

Em seu discurso, o Papa destacou a atualidade da «Fides et ratio»: «revela-se nela a profundidade e longa visão de meu inesquecível predecessor».

«A encíclica, com efeito, caracteriza-se por sua grande abertura à razão, sobretudo em uma época na qual se teorizou sobre sua fraqueza», explicou. Com o magistério de João Paulo II, ao contrário, a Igreja quis defender a força da razão e sua capacidade de alcançar a verdade, apresentando mais uma vez a fé como uma forma peculiar de conhecimento, graças à qual pode abrir-se à verdade da Revelação.

No curso dos tempos, observou o Papa, verificou-se um deslizamento desde um pensamento preferentemente especulativo a um mais experimental, que pretendeu conhecer os segredos da natureza.

Contudo, isso produziu um efeito negativo: marginalizou a razão, que buscava a verdade última das coisas, para dar lugar a uma razão satisfeita com descobrir as verdades contingentes das leis da natureza.

A fé não tem medo da ciência

A investigação científica tem certamente seu valor positivo, acrescentou o Papa, mas não é capaz de elaborar princípios éticos; ela precisa da ajuda da filosofia e da teologia para evitar proceder por si só em um caminho tortuoso, cheio de imprevistos e não privado de marcas.

Isso, precisou, não significa em absoluto limitar a investigação científica, mas manter vigilante o senso de responsabilidade que a razão e a fé possuem frente à ciência, para que permaneça ao serviço do homem.

A fé não teme o progresso da ciência e o desenvolvimento ao qual suas conquistas conduzem, quando estas estão dirigidas ao homem, a seu bem-estar e ao progresso de toda a humanidade. «Como recordava o desconhecido autor da Carta a a Diogneto, ‘A árvore da ciência não mata, mas a desobediência sim. Não se tem vida sem ciência, nem ciência segura sem vida verdadeira’», evocou o Papa.

Por outro lado, afirmou o pontífice, a inteligibilidade da criação não é fruto do esforço do cientista, mas condição que se lhe oferece para permitir-lhe descobrir a verdade presente nela, enquanto a razão, por outro lado, sente e descobre que, muito além do que já alcançou e conquistou, existe uma verdade que nunca poderá descobrir partindo de si mesma, mas somente se a receber como dom gratuito.

Portanto, a razão, a ciência e a fé não se contrapõem, explicou o Papa, pois «a verdade da Revelação não se sobrepõe à alcançada pela razão, mas a purifica e exalta, permitindo-lhe dilatar seus próprios espaços para inserir-se em um campo de investigação insondável como o próprio mistério».

«É em torno do mistério, portanto, onde a fides e a ratio encontram a possibilidade real de um trajeto comum», concluiu.


Fonte: Zenit

Um comentário:

Carlos Willians disse...

Então a saída para a relação entre razão, fé e ciência é o mistério? Ou seja, o retorno do logos ao mito? Será que há algum interesse ideológico nesse retorno a uma consciência religiosa tutora da razão? Ora, sabemos porém que a tutela da razão, da ciência e até da religião segundo os interesses da cultura privada do capital nos motivam a questionamentos importantes acerca dos problemas da verdade e dos valores morais e estéticos frente à investigação ciêntífica. Mas tais problemas de expressões de racionalidade só encontram sua superação mediante a constatação de suas próprias incoerências internas. Ou seja, a autonomia e a lógica do pensar possibilitam o adequado trato sobre as áreas do saber e suas possíveis contribuições para a humanidade. É muito importante que a Igreja participe abertamente desse debate, pois se conformar a uma perspectiva heterônoma no âmbito do mistério só permitem o avanço do obscurecimento que é causa de todo o mal nesse mundo. "Sapere Aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do Esclarecimento (Aufklärung)!" (Kant). Carlos Willians Jaques Morais. Professor de Lógica e Teoria do Conhecimento, do Intituto de Filosofia e Teologia Mater Eclesiae, Ponta Grossa-PR