11 de fevereiro de 2009

O que é a filosofia?

John Shand
Open University

A filosofia é uma grande aventura intelectual, ao mesmo tempo que o seu objecto de discussão é uma das coisas mais importantes que podemos fazer com as nossas vidas.

Há uma anedota recorrente entre muitos filósofos profissionais, que envolve um deles a ser encurralado durante uma festa por alguém que ao saber que se trata de um filósofo lhe pergunta: "Bom, o que é então a filosofia?" A piada reflecte na verdade o desconforto de muitos filósofos e a desconfortante consciência de não serem capazes de dar uma resposta directa e clara. Muitos filósofos recorrem ao método de responder por listas, explicando que a filosofia é acerca de "questões fundamentais" como "a verdade", "o que se pode conhecer?", "qual a natureza de uma boa acção?", "qual a natureza da mente e a sua relação com o corpo?". A outra maneira de lidar com a questão é algo evasiva e envolve afirmar o menos possível, algo como: "Bom, a melhor maneira de compreender o que é a filosofia é fazê-la." É provável que ambas as respostas, embora tendo um fundo de verdade, deixem os interlocutores perplexos, e com razão, insatisfeitos e com vontade de se afastarem para ir buscar outra bebida — para grande alívio do filósofo.

Penso que cabe aos filósofos lidar frontalmente com esta questão. Afinal, somos pagos para isso. A minha resposta imediata, que mais tarde terá de ser ligeiramente aperfeiçoada, a esta questão é a seguinte:

A filosofia é o que acontece quando se começa a pensar pela própria cabeça.

Pode-se acrescentar um pouco mais. Assim que nos libertamos dos hábitos das crenças recebidas, as que por acaso se adquiriu mesmo acerca de questões básicas, e começamos realmente a pensar acerca daquilo em que devemos acreditar, à luz da razão (argumentos) e indícios, começámos a fazer filosofia. A "tradição" de se apoiar antes em "autoridades" e "textos sagrados" é o estado normal das coisas e não a excepção na história — para muitos é ainda a maneira natural de viver. Além disso, pensar por si próprio não é algo que se leve a cabo facilmente por mero capricho, mas antes algo que é preciso reforçar como a um músculo, através de bons hábitos mentais. A filosofia é um modo de vida, que se constrói ao longo dos anos; o pensamento filosófico é um estado de espírito que se torna parte da própria natureza de uma pessoa.

É comum encarar-se a filosofia como um luxo imprático, desnecessário. Uma futilidade, lúdica na melhor das hipóteses, que se acrescenta à vida depois de se ter tratado das coisas práticas. Mas isto é um erro.

Longe de ser desnecessária, a filosofia é inevitável a partir do momento em que as pessoas deixam de tomar por adquirido as crenças que receberam e, ao invés, começam a pensar nelas com cuidado, autonomamente. A glória da filosofia — e seguramente um dos aspectos imediatamente interessantes para os que se sentem atraídos por ela — é nada estar interdito, nem mesmo o valor da razão, ou, na verdade (embora isto possa parecer paradoxal), o próprio estatuto da filosofia. Não há restrições. Só algo como argumentação e a discussão sem limites parece constante. É uma liberdade maravilhosa. Ou somos escravos das crenças que por acaso adquirimos através das circunstâncias contingentes da maneira como fomos educados e do lugar em que o fomos, ou somos até certo ponto filósofos. A filosofia é o bastião do pensamento livre e da exploração de ideias, acima de tudo.

A filosofia por vezes trata a questão da maneira como devemos viver. Pode-se argumentar que a própria adopção de uma atitude filosófica é exactamente o modo como se deve viver — tudo o resto é submissão crédula. Claro que se trata de uma questão de grau, mas na maioria dos casos é um bilhete de ida para a liberdade de pensamento: depois de o experimentar ninguém quer regressar à escravidão novamente.

Seria errado pensar que a filosofia nos deixa constantemente num estado de dúvida vaga. Aceita-se as próprias crenças com base nos melhores argumentos. Mas deixa-se a porta entreaberta à discussão suplementar. Na verdade são os que adoptam as suas crenças como actos de vontade e fé que se apoiam em terreno instável, onde podem ser derrubados por acaso, com as consequências dolorosas da desilusão, do vazio e da perda. O resultado pode ser catastrófico porque caem, se o fazem, de uma altura tal e de um lugar onde se julgavam absolutamente seguros. Depois disso, o quê? A filosofia não sonha tão alto. Está também preparada para viver corajosamente com isso. Apesar de mudarmos de crenças à luz de novos argumentos, podemos assegurar-nos que, da última vez que defendemos uma perspectiva, fizemos o melhor para chegar realmente ao fundo da questão. A filosofia não gera a dúvida vazia nem uma certeza inalcançável.

Como modo de vida, a filosofia e o pensamento filosófico não prometem a felicidade, mas penso que realçam o que há de melhor nos seres humanos. A filosofia dá corpo àquilo que há de mais nobre na nossa espécie.


Fonte: Critica

Nenhum comentário: