11 de fevereiro de 2009

Revelações dos arquivos vaticanos sobre Pio XI e os regimes nazista e fascista






Entrevista ao professor Matteo Luigi Napolitano

ROMA, segunda-feira, 2 de outubro de 2006. Desde 18 de setembro, os historiadores podem estudar os documentos relativos ao pontificado de Pio XI (1922-1939) do Arquivo Secreto Vaticano. Trata-se de «milhões de cartas», subdivididas em trinta mil pastas, envelopes e fascículos.

Para ter uma idéia da quantidade de material posto à disposição dos historiadores, basta dizer que há 59 volumes de índices só para o imenso fundo da primeira seção da Secretaria de Estado.

O pontificado Pio XI (Achille Ratti) se entrelaça com os anos dramáticos da perseguição da Igreja Católica no México e na Espanha, com a chegada do fascismo e do nazismo, e segue a expansão do regime comunista soviético na Europa.

Também, como revelou o prefeito do Arquivo Vaticano, Sergio Pagano, em uma entrevista publicada no diário «Avvenire» (19 de setembro de 2006), estão à disposição dos estudiosos as anotações das audiências de Pio XI com os diplomatas acreditados ante a Santa Sé, recolhidas pessoalmente pelo secretário de Estado, o cardeal Eugenio Pacelli (futuro Pio XII), desde agosto de 1930 até a morte do Papa Achille Ratti, em 10 de fevereiro de 1939.

Para começar a avaliar como esta abertura ajudará à investigação da verdade histórica, e quais são as primeiras descobertas relativas ao pontificado de Pio XI, Zenit entrevistou Matteo Luigi Napolitano, professor associado da Universidade do Molise e delegado da Comissão Pontifícia das Ciências Históricas ante a Comissão Internacional para a História da Segunda Guerra Mundial.

--Desde o ponto de vista histórico, que importância tem a abertura dos arquivos vaticanos do período do pontificado de Pio XI?

--Matteo Luigi Napolitano: A abertura dos arquivos, a máxima possível, em geral é sempre o grande desejo dos historiadores. Em especial, as relações internacionais da Santa Sé podem documentar-se também se baseando em arquivos diversos do Vaticano. É o que acontece com o pontificado de Pio XI: o valioso trabalho realizado pelos especialistas do Ministério de Exteriores da Itália, nos anos oitenta, sob a guia do professor Pietro Pastorelli, nos permitiu entrar em contato com uma enorme quantidade de material concernente à relação entre a Santa Sé e a Itália fascista. O trabalho de análogas comissões no exterior e a publicação de coleções diplomáticas aumentou nosso conhecimento de muitos outros aspectos da diplomacia do Papa Ratti.

Mas a abertura dos papéis do Arquivo Secreto Vaticano representa um enorme enriquecimento, não só pela importância em si, que não necessita ser explicada, mas também porque só nos documentos vaticanos é possível captar as dinâmicas internas da Santa Sé, especialmente nos grandes momentos de mudança do mundo contemporâneo nos quais o Vaticano se encontrou implicado.

--Apesar da evidente oposição de Pio XI e de seu secretário de Estado, Eugenio Pacelli, a Hitler, alguns sustentam ainda que o Vaticano teve uma certa benevolência com relação à Alemanha nazista. Vamos ao concreto. O que dizem os documentos sobre a visita de Hitler a Roma em 2 de maio de 1938? Como se comportou a Santa Sé?

--Matteo Luigi Napolitano: Das investigações do Pe. Giovanni Sale sobre os arquivos abertos em 2003 se deduz que nem Pio XI nem Pio XII foram os «Papas de Hitler». Os papéis agora disponíveis ampliam o horizonte sobre o pontificado de Ratti e precisam dois aspectos que já se conheciam desde há tempos:

Em primeiro lugar, documenta-se a crítica do Vaticano a um Mussolini passivo imitador de Hitler.

Em segundo lugar, registra-se a preocupação ante o esmagamento da Itália provocado pela política alemã, não só por ocasião da questão racial, mas mais amplamente como escolha de alienação carregada de conseqüências perigosas.

A visita de Hitler de 2 de maio de 1938, à qual você alude é, neste sentido, sintomática. O Vaticano não vê com bons olhos a chegada a Roma do chanceler alemão; a partida do Papa a Castel Gandolfo e sua alusão à outra cruz que se levantava sobre Roma, que não era a de Cristo, é só um exemplo de uma trama mais ampla dos acontecimentos que viriam: a controvérsia sobre os enfeites das ruas, sobre o percurso que Hitler deve seguir; as instruções ao episcopado e aos religiosos italianos para que não participem em manifestações de homenagem a Hitler; o medo de que o Eixo se transforme em aliança.

Mas também se registra a convicção dos fascistas de que a postura antinazista do Vaticano não só compromete os intentos de moderar as iras nazistas contra a Igreja alemã, mas que acaba em último termo favorecendo as «frentes populares», e em concreto aos «bolcheviques» e «maçons» franceses, com os que com esta postura a Santa Sé parece estar de acordo.

--Qual é sua valorização sobre o que dizem os documentos do Pio XI?

--Matteo Luigi Napolitano: Os inclinados à polêmica poderiam ter agora a tentação de voltar a lançar acusações segundo as quais o Vaticano teve um «Papa de Hitler» e um «Papa de Mussolini» e talvez também um «Papa de Franco». Mas a polêmica e a ignorância às vezes estão relacionadas. Demonstra-o um recente artigo de John Cornwell (o autor do controvertido livro «O Papa de Hitler») na revista britânica «The Tablet» de 23 de setembro passado, no qual escreve que a nova abertura dos arquivos vaticanos do período 1922-1939 «é um acontecimento importante para todo investigador interessado nas relações da Santa Sé com a Alemanha nazista».

Cornwell demonstra, portanto, não saber que os documentos vaticanos sobre o período 1922-1939 relativos às relações germano-vaticanos se abriram em fevereiro de 2003. Este é um exemplo de pretendido «especialista» que leva três anos de atraso com relação à historia!

Para voltar a coisas mais sérias, o de Pio XI foi certamente um grande pontificado, inclusive na maneira em que enfrentou os assuntos internacionais, junto a seu principal colaborador, o cardeal Eugenio Pacelli. Existem já (e outras virão) as provas das reservas do Papa Ratti e do cardeal Pacelli ante os fenômenos nacionalistas exasperados como o hitleriano. Não me surpreenderia também encontrar provas documentais da velha teoria de que o Vaticano foi leve com relação ao nazismo e inflexível com o comunismo.

Graças a alguns documentos, podemos perceber já, por exemplo, o juízo dos fascistas sobre Pio XI: Mussolini via o Papa sempre alienado contra a Alemanha nazista e tolerante para com os bolcheviques. Mas será possível um juízo mais detalhado só uma vez que se complete o exame da documentação existente.

--Como são as relações entre Pio XI e seu secretário de Estado, o cardeal Pacelli?

--Matteo Luigi Napolitano: Eu me limitaria agora a constatar o que dizem os outros arquivos. No arquivo do Ministro de Exteriores da Itália há um perfil de possíveis «papáveis», preparado por Dom Enrico Pucci em preparação do conclave e entregue -- talvez -- ao embaixador italiano no Vaticano, Pignatti Morano di Custoza.

No perfil relativo ao futuro Pio XII, lê-se o seguinte: «Ao contrário, aparece cada vez mais claro que o candidato preferido de Pio XI para uma eventual sucessão é o cardeal Pacelli. Pio XI, sobretudo ultimamente, não perdeu nunca a ocasião de manifestar, inclusive nos discursos públicos, as qualidades de seu imediato colaborador e de dar-lhe mostras de sua predileção...”».

O documento foi publicado pelo professor Mario Casella em 2000. Os documentos vaticanos (e penso em especial no «Diário» das audiências, redigido por Pacelli) confirmarão sem dúvida esta relação privilegiada entre o Papa e seu mais estreito colaborador. Muito além das diferenças pessoais, portanto, nem Pio XI nem seu sucessor foram «Papas de Hitler ou Mussolini».
Fonte: presbiteros.com.br

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