1 de março de 2009

A FILOSOFIA E AS MULHERES

A idéia de trabalhar com o tema “mulheres filósofas” num curso de Filosofia voltado para estudantes do Ensino Médio surgiu no Colégio São Luís, localizado no vale do rio dos Sinos, próximo à capital gaúcha. Era incômodo observar que, de um modo geral, as mulheres não apareciam nos cursos de Filosofia. O projeto As Filósofas Criam Vozes em Sala de Aula: Resgatando os Saberes das Mulheres no Campo da Filosofia foi desenvolvido em 2005 com turmas do 1º e 2º anos, durante quatro meses; a experiência foi repetida em 2006.

Os desafios, porém, eram muitos, visto que há uma enorme carência de livros sobre essas pensadoras, e elas mesmas pouco escreveram. A ausência de mulheres na História da Filosofia é freqüentemente notada e questionada por estudantes e, embora se possa encontrar com mais facilidade artigos e livros de Marilena Chauí, Hannah Arendt, Agnes Heller, Simone de Beauvoir, ainda se desconhecem por completo filósofas como Francesca Gargalo, Célia Amorós, Simone Weil, Graciela Hierro, Christine de Pizan, Hipátia e tantas outras.Numa perspectiva histórico-cultural trabalhamos as idéias dos filósofos com relação às mulheres.

Com esse trabalho se pretendia que os alunos se tornassem sujeitos críticos em face da problemática histórica das relações entre gêneros. Pensá-las, pesquisar suas obras e vidas, e inserir o conhecimento dessas pensadoras em sala de aula é uma demanda que emerge no século 21 não só no Brasil, mas também em toda a América Latina. Hoje se observa que há importantes grupos de estudo e pesquisa espalhados pelo mundo, assim como pesquisadores organizados, cujos trabalhos têm consolidado referências teóricas.

O objetivo principal desse projeto foi estudar pensadoras de diferentes períodos, possibilitando uma mudança de “olhar” sobre as mulheres. Procurou-se sensibilizar os jovens para as questões de gênero na Filosofia; investigar o pensamento filosófico de diversas mulheres; conhecer e analisar os comentários feitos por filósofos em relação às mulheres, contextualizando o período em que viveram. Buscou-se ainda mostrar que os livros didáticos de Filosofia nem sempre apresentam a versão completa da História do pensamento humano.Conversamos sobre as pensadoras da Grécia antiga, a respeito de sua biografia; não registrada nos livros didáticos, assim como o conceito de cidadania da época e a inserção da mulher naquele quadro político. Pesquisamos a vida de mulheres que foram matemáticas, poetisas e escritoras. Todos ficaram surpresos com as histórias como a da filósofa Hipátia, cujo corpo foi dilacerado com pedaços de azulejos e conchas de ostras em plena praça pública. Enfim, mulheres que fizeram História e construíram teorias e saberes que, até hoje, não são estudados.Debatemos ainda o papel das filósofas da Idade Média cujo pensamento foi silenciado pelo poder eclesiástico e que tiveram seus livros queimados assim como os demais escritos condenados pela Igreja.

Abordamos também pensadoras do Renascimento, tal como Olímpia de Gouges, condenada à morte e decapitada em praça pública para intimidação de todos os que ousassem questionar a ordem instituída e discutir a igualdade de direitos.Buscamos também desvendar como viviam e quem foram as filósofas da era moderna. Pontua-se que algumas delas, tais como Hannah Arendt e Simone de Beauvoir, conseguiram obter um pouco mais de reconhecimento. No entanto, Simone de Beauvoir, apesar de ter sido uma filósofa feminista, autora de obras que são marcos na Literatura mundial, ainda hoje é mais citada como companheira do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, do que propriamente por sua produção intelectual.

Conhecemos também as pensadoras latino-americanas, tais como Francesca Gargallo e Juana Inés de la Cruz, assim como suas produções teóricas.A descobertaO curioso foi observar o interesse de alguns alunos em conhecer algumas filósofas brasileiras. Chegaram a entrevistar as gaúchas Márcia Tiburi e Magali Meneses. A experiência ajudou a desmistificação do estereótipo existente em torno da Filosofia e da pessoa que pratica ou pode praticar o pensamento filosófico.Como desdobramento dos estudos sobre a Filosofia no feminino, estudamos o feminismo, as relações de gênero, o sexismo e o preconceito. Os trabalhos realizados pelos estudantes foram apresentados e debatidos, e se tornaram redações posteriormente enviadas para o concurso 1º Prêmio Construindo Igualdade de Gênero, patrocinado pelo CNPq em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, o Ministério de Educação e o Ministério de Ciência e Tecnologia. A participação dos estudantes nesse tipo de evento de certa maneira os instigou, alimentando os debates, as reflexões e as produções teóricas.



Graziela Rinaldi da Rosa é professora de Filosofia, graduada pela UFPel. Especialista em Metodologia do Ensino de História e Geografia - Faccat. Mestranda em Educação na Unisinos-RS.

Nenhum comentário: