19 de março de 2009

A respeito da menina brasileira

RINO FISICHELLA*
Arcebispo presidente da Pontifícia Academia pela Vida
(Santa Sé — Roma)

Fonte: LOSSERVATORE ROMANO (15.03.2009)

Tradução: Pe. João Carlos Almeida, scj

No caso de Carmem, encontraram-se a vida e a morte. Por causa da sua pouca idade e das condições precárias de saúde, sua vida estava em sério perigo para a gravidez. Como agir nestes casos? Decisão difícil para o médico e para a própria lei moral. Escolhas como esta, ainda que em casos diferentes, se repetem todos os dias nas salas de reanimação e a consciência do médico se encontra sozinha consigo mesma no ato de dever decidir a melhor coisa a fazer. Ninguém, porém, chega a uma decisão deste tipo com facilidade; seria injusto e ofensivo pensar isso.

O respeito devido ao profissionalismo do médico é uma regra que deve ser observada por todos e não se pode chegar a um juízo negativo sem primeiro considerar este conflito criado no seu íntimo. O médico traz consigo a sua história e a sua experiência; uma escolha como aquela de dever salvar uma vida, sabendo que isto coloca em risco uma segunda, nunca é vivida com facilidade. É certo que alguns se habituam a estas situações de modo a nem sentir mais; nestes casos, porém, a escolha de ser médico é reduzida a mera função vivida sem entusiasmo e passivamente. Mas generalizar isto além de incorreto seria injusto.

Carmem nos coloca diante de um caso moral entre os mais delicados; tratá-lo apressadamente não faria justiça nem à sua frágil pessoa nem a todos os envolvidos sob qualquer título no episódio. Como todo caso singular e concreto, porém, merece ser analisado na sua peculiaridade, sem generalizações. A moral católica tem princípios dos quais não se pode prescindir, ainda que se quisesse. A defesa da vida humana desde a sua concepção é um destes princípios e se justifica pela sacralidade da existência.

Cada ser humano, de fato, desde o primeiro instante leva impresso em si a imagem do Criador, e por isso, estamos convencidos que devem ser reconhecidos a dignidade e os direitos de cada pessoa; em primeiro lugar aqueles da sua intangibilidade e inviolabilidade. O aborto provocado sempre foi condenado na lei moral como um ato intrinsecamente mau e este ensinamento permanece inalterado dos primórdios da Igreja até hoje. O Concílio Vaticano n na Gaudium et spes —• documento de grande abertura e sensibilidade para com o mundo contemporâneo — usa de maneira inesperada palavras claras e duras contra o aborto direto. A própria colaboração formal constitui uma culpa grave que, quando é realizada, conduz automaticamente para fora da comunidade cristã. Tecnicamente o Código de Direito Canônico usa a expressão latae senteniíae para indicar que a excomunhão acontece exatamente no momento em que o fato acontece.

Não eram necessárias, segundo nosso ponto de vista, tanta urgência e publicidade para declarar um fato que acontece de modo automático. Aquilo de que se sente maior necessidade neste momento é de um sinal de testemunho de proximidade com aquele que sofre; um ato de misericórdia que, mesmo mantendo o princípio, é capaz de olhar para além da esfera jurídica para chegar àquilo que o próprio direito prevê como o objetivo da sua existência: o bem e a salvação de quantos creiam no amor do Pai e de quantos acolham o Evangelho é Cristo com as crianças, que Jesus chamava para perto de si e os colocava entre seus braços dizendo que o reino dos céus pertence a quem é como elas.

Carmem, estamos do seu lado. Compartilhamos contigo o sofrimento que experimentastes; gostaríamos de fazer de tudo para restituir-te a dignidade da qual fostes privada e o amor de que tens agora ainda mais necessidade.

São outros que merecem a excomunhão e o nosso perdão, não aqueles que te ajudaram a sobreviver e te ajudarão a recuperar a esperança e a confiança, apesar da presença do mal e da maldade de muitos.

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