3 de junho de 2009

As religiões estão mortas

Todos recordamos a famosa frase de Nietzsche sobre a morte de Deus. E também sua cláusula: Deus seguirá projetando sua sombra em nosso mundo durante muito tempo. E se aplicássemos a frase do filósofo alemão também às religiões? Em grande parte do mundo contemporâneo a religião está morta, mas ainda projeta sombras em vários aspectos da vida privada e coletiva.

As religiões estão mortas porque não garantem mais a ordem racional do mundo. Dentro da sociedade cristã e católica da Europa é fácil ver que são muito poucos os que observam os mandamentos da moral cristã oficial. A institucionalização das crenças, que deu origem às igrejas, incluiu uma reivindicação do poder histórico no sentido de que era quase natural que uma religião moral se convertesse em uma instituição poderosa. É o que parece ter ocorrido com o catolicismo, mas pode-se ver fenômenos similares na história de outras religiões. Por exemplo, no hinduísmo, o mesmo fato de que existe uma diferença entre clérigos e leigos faz com que a religião se converta em uma instituição cujo objetivo principal é sempre sua sobrevivência.

Como no caso da morte de Deus de Nietzsche, a morte das religiões institucionalizadas não significa que não tenham legitimidade. Chega um momento em que simplesmente elas já não são necessárias. E esse momento é nossa época porque as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A religião é um poderoso fator de conflito em momentos de mudança intensa entre mundos culturais diferentes. É o que ocorre atualmente. Na Itália, por exemplo, existe um problema com a construção de mesquitas porque a população muçulmana aumentou de forma espetacular. A hegemonia tradicional da igreja católica está em perigo, mas os católicos não se sentem ameaçados por essa situação – apenas o papa e os bispos.

A igreja afirma que defende seu poder (e os aspectos econômicos dele) para preservar sua capacidade de pregar o Evangelho. Como em tantas instituições, a razão suprema de sua existência cai para segundo plano em troca da continuidade do status quo. Enquanto as religiões continuarem desejando ser instituições poderosas serão um obstáculo para a paz e o desenvolvimento de uma atitude genuinamente religiosa: basta pensar em quanta gente abandonou a igreja católica pelo escândalo que representam as pretensões do papa de imiscuir-se nas leis civis italianas. Nos Estados Unidos o anúncio do presidente Obama sobre sua intenção de eliminar as restrições ao aborto provocou ampla oposição por parte dos bispos católicos. A oposição contra qualquer forma de liberdade de escolha relacionada à família, sexualidade e bioética é contínua e intensa, sobretudo em países como Itália e Espanha. A igreja se opõe a leis que não obrigam, só permitem, a decisão pessoal nesses assuntos. De que lado está a civilização?

Recentemente o papa repetiu sua ideia de que a verdade não é negociável. Esse "fundamentalismo" é característica do catolicismo ou de todo o cristianismo? Quem fala de civilizações tem a responsabilidade de levar em conta essa condição. Enquanto não for eliminado o aspecto autoritário e de poder das religiões, será impossível avançar até o mútuo entendimento entre as diversas culturas do mundo. A compaixão parece ser a base fundamental de toda experiência religiosa. É esse o ponto de vista do cristianismo, budismo, hinduísmo, judaísmo e também do Islã. Mas é precisamente por isso que devemos reconhecer que chegou a hora de as pessoas religiosas se voltarem contra as religiões. E afirmarem que a era da religião-instituição acabou e sua sobrevivência só se deve aos esforços das hierarquias religiosas para conservar seu poder e seus privilégios.

*Gianni Vattimo é filósofo e político italiano


Fonte: Revista da semana

Um comentário:

Christiane Forcinito Ashlay Silva de Oliveira disse...

Tem um prêmio para ti no meu blog
Vc merece! Vai lá pegar!

http://astrologiaecatolicismo.blogspot.com/2009/06/um-selo-especial-do-meu-amigo-antonio.html

Beijão!