22 de junho de 2009

Nicolau de Cusa (1401-64) Da Douta ignorância (Rabiscos)

[1] Uma vez que é evidente que entre infinito e finito não existe relação, é também evidente que onde se encontra sempre um excesso não se pode chegar nunca a um máximo absoluto, porque o excedente e o excesso são finitos, ao passo que o máximo, enquanto tal, é necessariamente infinito.
[2] As oposições convergem para as coisas que admitem um excedente e um excesso e o fazem diversamente. Ao contrário, não convergem jamais para o máximo absoluto, que está acima de toda oposição. E como o máximo absoluto é, em ato, absolutamente todas as coisas que podem ser – e assim é sem nenhuma oposição, de tal forma que o mínimo coincide com o máximo –, também está acima de toda afirmação e negação.

[3] Tudo o que se concebe que é não é mais do que não é. E tudo o que se concebe que não é não é menos do que não é. Mas o que é tudo o é de modo a não ser nada, e é maximamente o que é também minimamente. Dizer “Deus, que é o próprio máximo absoluto, é luz”, é a mesma coisa que dizer “Deus é maximamente luz e minimamente luz”. Caso contrário, de fato, o máximo absoluto não seria em ato em todas as possibilidades; ou seja, não seria infinito e não seria o limite de todas as coisas e por nenhuma delas limitado.
elogio da ignorância
De CUSA, Nicolau [1401-64]. Docta Ignorantia [1440]

[1] Quanto melhor alguém entende que não se pode saber, tanto mais será douto. De fato, a propósito da grandeza do esplendor do Sol, ele é mais douto quando nega que ela é compreensível por meio da vista do que quando o afirma; e a propósito da grandeza do mar quando nega, mais do que quando afirma, que possa ser mensurada com a medida válida para os líquidos, e o será ainda mais quando nega, do que quando afirma, que a grandeza absoluta não limitada, totalmente sem termo e infinita (comparada ao esplendor do Sol, ou à extensão do mar ou de outra coisa), seja mensurável com a medida da mente, que é limitada à mente.

[2] Observa isto: o intelecto deseja saber. Todavia, o desejo natural não o leva a conhecer a qüididade [essência] de um Deus que lhe é afim, mas a conhecer um Deus tão grande que não existe nenhum limite para a sua grandeza. Por isso, Deus é maior do que qualquer conceito e do que tudo o que a mente humana pode conhecer. O intelecto não ficaria satisfeito consigo mesmo se tivesse uma imagem do seu criador tão pequena e imperfeita que pudesse tornar-se cada vez maior e mais perfeita. O criador certamente é sempre maior do que toda coisa compreensível e cognoscível, mesmo se esta tiver uma perfeição infinita e incompreensível...
[3] Agora observa como Deus, transcendendo o poder ser feito, e o que pode ser feito antes de tudo. E não existe nada que possa ser feito de mais perfeito que ele não preceda.
[4] Ele é, portanto, tudo aquilo que todo perfectível e todo perfeito pode ser. Logo, é aquele perfeito que é também a perfeição de todos os perfeitos e de todos os perfectíveis. O intelecto alegra-se em possuir esse alimento inesgotável de perfeição, com o qual sabe poder nutrir-se de modo imortal e perpétuo, viver de modo deleitável, progredir sempre em sabedoria e poder crescer e melhorar a si mesmo.

[5] Assim, quem considera que o seu tesouro é infinito, inumerável, incompreensível e inesgotável, frui mais do que quem o considera finito, numerável, compreensível. Papa Leão Magno, tendo-o compreendido, disse em um sermão em que louva a inefabilidade de Deus: “Sentimos que o bem está em nós porque somos vencidos por ele. Ninguém se aproxima mais do conhecimento da verdade do que aquele que compreende nas coisas divinas, que o que ele busca o ultrapassa sempre, mesmo se faz muitos progressos.”
[6] Já podes ver então que os filósofos caçadores, esforçando-se em caçar a qüididade das coisas, ignorando aquela de Deus, e em tornar conhecida a qüididade de Deus que permanece sempre desconhecida, se esforçam inutilmente, porque não entram no campo da douta ignorância.

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