12 de julho de 2009

Na raiz do pensamento lógico

Pesquisadores brasileiros estão empenhados em criar um ambiente de discussão, em nível internacional, sobre a obra de Aristóteles

Um grupo de pesquisadores brasileiros está se dedicando a contribuir com a renovação dos estudos sobre o pensamento de Aristóteles (384 a.C. / 322 a.C.) e empenhado em criar um ambiente de discussão, em nível internacional, sobre a obra do filósofo grego.

O próximo produto desse esforço – orquestrado especialmente por docentes da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – será a publicação de uma coletânea de estudos sobre a ética aristotélica organizada pelo professor Marco Zingano, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Nos mesmos moldes, o grupo já havia lançado, em 2005, o livro Sobre a Metafísica de Aristóteles, além de diversas outras publicações.

Entretanto, a tarefa de incluir o Brasil no mapa do debate universal sobre o pensamento aristotélico não é fácil, de acordo com Zingano, que coordena o projeto temático “A Filosofia de Aristóteles”, apoiado pela FAPESP. Afinal, segundo ele, para que esse ambiente acadêmico exista é preciso formar uma massa crítica de estudantes que tenham domínio aprofundado do grego ático.
“Um trabalho acadêmico em filosofia requer uma intensa circulação de ideias e de pessoas, sem as quais os resultados tendem a ser tornar muito paroquiais. E a ideia por trás do projeto não é reproduzir o que Aristóteles disse, mas refazer e alargar a longa conversa erudita, com base no texto aristotélico, que gerou interpretações divergentes ao longo da história, formando nossa consciência”, disse Zingano.

De acordo com o acadêmico, que é considerado um dos principais especialistas em estudos clássicos no país, as idéias aristotélicas, continuamente debatidas ao longo dos séculos, até hoje são discutidas em função dos problemas atuais. “A própria formulação desses problemas depende da filosofia aristotélica, porque ele contribuiu de forma decisiva com a nossa forma de pensar”, afirmou.

A criação de um grupo de leitores de Aristóteles e a formação de um ambiente de discussão no país, segundo Zingano, deverá ter impacto importante na cultura nacional. “São temas de interesse geral. O quinto livro da Ética Nicomaqueia, por exemplo, é dedicado à teoria da Justiça. São temas que devem ser discutidos frequentemente, porque voltam à tona em cada época com características particulares. Hoje trata-se de um texto importante para discutir justiça social”, explicou.

Segundo ele, o projeto temático, que em sua primeira fase teve foco no estudo sistemático da ética e da metafísica de Aristóteles, foi ampliado para o estudo de todo o pensamento do filósofo, procurando evidenciar as relações conceituais vigentes entre suas diferentes disciplinas. O projeto, que envolve seis professores, deverá gerar até 2010 oito doutores e18 mestres e inúmeras publicações, além de contar com mais de 30 estudantes de graduação.

“É bastante difícil ainda estimular estudos clássicos no Brasil, porque é preciso dominar a língua, a história e a filosofia. Temos muitos alunos que vieram dos departamentos de letras e dominam bem o grego e o latim. Nossa tarefa é formá-los para a discussão filosófica. Quanto aos alunos que vêm da filosofia, exigimos que tenham forte formação em filologia, com domínio das duas línguas clássicas. A ideia é colocar à disposição do universo erudito pessoas muito bem formadas nessas áreas”, disse.

Segundo Zingano, os recursos do projeto temático permitem que a formação de recursos humanos seja complementada com uma interação intensa com grupos estrangeiros. “Parte desse projeto está ligado à antiga ideia do professor José Arthur Gianotti de construir uma base de textos traduzidos e comentários especializados sobre filosofia grega antiga”, afirmou o pesquisador.

Ética flexível

Além da ética e da metafísica – focos iniciais do projeto – o grupo tem discutido intensamente, segundo Zingano, a doutrina da ciência desenvolvida por Aristóteles em Segundos Analíticos. “Em Primeiros Analíticos ele formula a famosa regra do argumento lógico. Já em Segundos ele passa a examinar as mesmas regras do ponto de vista da construção de uma ciência – um conhecimento verdadeiro necessário e primeiro”, afirmou o professor.

A ética, para Zingano, é um dos principais aspectos de interesse do pensamento aristotélico para a atualidade. O filósofo grego escreveu pelo menos dois estudos sobre ética, nos quais procurou compreender o funcionamento do comportamento moral. Em relação a esse tópico, Zingano publicou, em 2007, o livro Estudos de Ética Antiga. Em 2008 foi a vez de Aristóteles: Ethica Nicomachea I 13 – III 8 Tratado da Virtude Moral.

“Contrariamente às nossas expectativas atuais de uma ética fundamentada em leis ou regras codificáveis, Aristóteles tentou compreender as decisões morais sob outro ponto de vista: um julgamento que depende de cada dado e das circunstâncias nas quais se encontra o agente. Uma consequência importante dessa perspectiva é que ela permite uma ética da virtude e foge do padrão deontológico – baseado em regulamentos – da ética moderna”, explicou.

Um dos produtos do projeto temático, segundo Zingano, foi a revista Filosofia Antiga, publicada duas vezes por ano, em maio e em outubro. “A revista, que vai entrar em seu terceiro ano, tem artigos de discussão e traduções. O objetivo é congregar os que trabalham com filosofia antiga na América Latina, servindo como ponto de discussão”, declarou.

Além da revista, o grupo mantém um seminário que é realizado em duas etapas: na primeira são discutidos textos gregos – atualmente Segundos Analíticos, de Aristóteles – e na segunda, especialistas brasileiros e estrangeiros são convidados para apresentar trabalhos sobre cada um dos temas do seminário.
“Ao mesmo tempo, procuramos realizar, pelo menos uma vez ao ano, um colóquio que reúna pesquisadores de diversos países que venham tratando de ideias importantes relacionadas ao pensamento aristotélico.”

Via: edsongil

Fonte:Fapesp

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