13 de julho de 2009

Um ano de amizade com a sabedoria


Para o professor e jornalista Marcos Afonso, um filósofo é todo aquele que tem amor à sabedoria

LEANDRO CHAVES (*)
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RIO BRANCO – Se você pensa que para ser considerado um filósofo é preciso ter escrito diversos livros e ter o seu rosto estampado nas páginas dos livros de história, está enganado. Para o professor e jornalista Marcos Afonso, um filósofo é todo aquele que tem amor à sabedoria. É isso que ele fala a todos os novatos nas reuniões da Sociedade Philosophia, um grupo que se reúne para discutir as grandes idéias dos maiores pensadores da humanidade, onde tem o professor como criador e moderador geral.

Os membros do grupo realmente merecem ser chamados de amantes da sabedoria, pois quando ocorrem os encontros, eles lotam as cadeiras do auditório da Biblioteca da Floresta, onde são realizadas as reuniões. Durante cerca de duas horas, quinzenalmente nas tardes de sábado, todos os presentes entram em contato com a filosofia através de discussões, músicas, poesias, vídeos e curiosidades, modo um tanto quanto diferente das tradicionais aulas da disciplina nas escolas.

Talvez sejam esses os motivos de o grupo atrair tantos jovens. A maioria dos integrantes tem idade entre 17 e 26 anos, apesar de ser comum a presença de pessoas mais novas e com mais de 40. De acordo com Marcos Afonso, a Sociedade atrai muitos jovens "porque ela é moderna. E também porque quer fazer um diálogo entre a tradição e a modernidade, com recursos criativos". Seu princípio básico, de acordo com o professor, é preservar e promover a vida, não tendo preferência por religião, idade e ideologia.

A Sociedade

A idéia de criar o grupo surgiu no início de 2008, quando Marcos Afonso ministrou uma oficina chamada Nosso Tempo, Nosso Espaço para os estagiários e técnicos da Biblioteca da Floresta, instituição onde ocupa o cargo de colaborador. Após os três dias de reflexões sobre o tempo e o espaço, com a utilização de música, vídeos e outros recursos, hoje comuns nos encontros, foi sugerida a idéia de dar continuidade a todas essas discussões, nascendo assim a Sociedade Philosophia.

No dia 10 de maio de 2008 lá estava Marcos Afonso à espera de poucas pessoas ou ninguém, como sempre fala ao contar a história do grupo. Para sua surpresa, 21 cadeiras foram ocupadas na primeira reunião. Estava fundada a Sociedade Philosophia. Naquele momento, Marcos já tinha em mente o seu mais aventurado plano para o recém fundado grupo: reunir 40 pessoas e passar um fim de semana filosofando no meio da densa floresta amazônica.


Imersão no tempo e no espaço

A cada reunião da Sociedade Philosophia estruturava-se o projeto da viagem ao Seringal Cachoeira, no município de Xapuri. Até que no dia 27 de junho, cerca de 30 participantes da Sociedade, ao lado de alguns convidados, como a imprensa, um astrônomo, um seringueiro e uma família de índios, embarcaram rumo à floresta para conhecer o tempo e o espaço de quem vive nela. Todos passaram três dias em uma pousada ecológica, próximo onde vivem algumas famílias de seringueiros.

Durante a imersão, os jovens filósofos percorreram as trilhas na mata fechada; conheceram a realidade de quem vive na floresta; ouviram dos seringueiros como foram as lutas contra os fazendeiros na década de 70 e 80; aprenderam com os próprios índios como é a percepção indígena do tempo e do espaço; observaram, através de um telescópio, constelações e planetas; etc. Foi uma extensa programação com o objetivo de apresentar aos participantes uma outra realidade, pois muitos nunca haviam conhecido a floresta.

Ana Clélia Rocha é uma das participantes da Sociedade Philosophia. Apesar de morar no Acre, nunca entrou numa floresta, realidade comum entre muitos moradores da cidade. Ela esteve no Seringal Cachoeira durante a imersão e afirmou: "foi uma oportunidade única, uma coisa nova. Sempre quis conhecer um seringal e achei uma experiência interessante em ver os homens da floresta. Adoraria fazer tudo de novo".

Aniversário

Após a imersão, a rotina da Sociedade voltou ao normal com as discussões sobre as ideias dos filósofos. No dia 10 de maio de 2009, o grupo completou um ano de fundação e as comemorações não poderiam faltar. No dia nove de maio ocorreu um encontro especial onde foram lembrados alguns acontecimentos que marcaram a trajetória dos amigos da sabedoria.

Marcos Afonso relembrou como surgiu a idéia de montar a Sociedade, se mostrou satisfeito ao registrar que ao todo, mais de 500 pessoas se envolveram com o grupo e encerrou dizendo: "enquanto, de 15 em 15 dias, no Acre, pessoas se reunirem para discutir filosofia, o mundo terá esperança". Ao final, antes de chocolates e refrigerantes, foi dada a oportunidade para o público se manifestar com depoimentos emocionados, poesias e músicas, algo que os participantes da Sociedade Philosophia já estão acostumados a presenciar nesses 12 meses de encontros.

ENTREVISTA

Professor e jornalista, Marcos Afonso profere palestras há quase três décadas e hoje, além de moderar a Sociedade Philosophia, é colaborador da Biblioteca da Floresta Marina Silva. Abaixo, ele conta um pouco sobre a Sociedade e o porquê da sua criação.

Sabe-se que você nada ganha para manter a Sociedade na ativa. O que te levou a criar o grupo?

Marcos Afonso - Ganho sim, e muito. Rapaz, a maior alegria de um professor é estar na sala de aula. Agora imagina uma sala, no nosso caso um auditório, cheio de gente que ama a Filosofa! Então é a realização. Dar aulas é uma via de mão dupla. E também há o fato de eu não estar sozinho, existe todo um grupo de moderadores de apoio que dá sugestões, opera na logística, na divulgação e organização dos encontros. Participar da Sociedade é uma declaração de amor, e isso é o maior ganho.

Por que a Sociedade atrai tantos jovens?

Porque ela é moderna. E também porque quer fazer um diálogo entre a tradição e a modernidade, com recursos criativos e com uma boa dose de admiração, sem a qual, não daria certo.

Quem é a pessoa mais nova? E a mais experiente?

A pessoa mais nova é a Yasmin, que tem nove anos, estuda a quarta série e é uma das mais atentas, anota tudo, ao seu modo, claro. E a mais experiente é um senhor de aproximadamente 65 anos, que quando vai à reunião leva a esposa e os filhos. Não há limite de idade.

Qual é o segredo para deixar a filosofia, assunto considerado chato por muitas pessoas, atraente?

Primeiramente é falar de Filosofia com emoção, vontade e admiração, como algo essencial para a vida das pessoas, independente de época. Depois, é fazer uma ligação dialética e dialógica dos grandes pensamentos, estruturas, com os desafios dos dias atuais. Muito dos dilemas da condição humana são sentidos há milênios, com inúmeras avaliações e entendimentos. Então recolocá-los no tempo presente é uma necessidade para seguirmos em frente. O Mito da Caverna, de Platão, por exemplo, nunca esteve tão atual. Isso desperta as pessoas para a Filosofia e à compreensão de sua utilidade.

Por que a utilização de recursos como vídeo, música, poesia, etc?

Nos dias de hoje, uma boa aula sem algumas plataformas de comunicação como data-show, vídeo, power-point, música, internet, poesia, canto, teatro, fica irremediavelmente comprometida. Há muita rapidez. Então a didática tem de ser ágil, mas sem perder o conteúdo. Por isso nós seguimos o livro "O Mundo de Sofia", de Jostein Gaarder, como roteiro geral.

Colaborador: Rodney Eloy

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