5 de julho de 2009

Sarkozy, a burca e Hegel

O baixinho é enfezado. O baixinho fala grosso. Num francês danado de bonito. Nicolas Sarkozy.

Parece até estar cantando loas, o tempo todo, à graça e ao encanto de sua excelentíssima esposa, senhora Carla Bruni, primeira-dama que, para mim, que entendo um pouco disso, dá de 10 a zero na Michelle Obama, que me desculpem os admiradores do casal 20 norte-americano.

O baixinho não brinca em serviço. O baixinho manda brasa. Sarkozy. Outro dia, quando menos se esperava, em discurso muito divulgado, pronunciou-se contra o uso da burca na França.

Burca. Vocês manjam. Aquele traje usado pelas muçulmanas para cobrir o corpo todo deixando só os olhos à mostra. Na França de Sarkozy não há lugar para esse tipo de vestimenta.

Numa sessão especial do Parlamento reunido em Versalhes, o alto (ou baixinho) dignitário disse que o uso da burca "reduz a mulher à servidão e ameaça sua dignidade". Foi além, conforme noticiamos aqui mesmo neste website: "[A burca] não é sinal de religião mas de subserviência".

Tudo indica que o líder francês apoia a criação de uma comissão parlamentar para analisar a proibição do uso da burca em lugares públicos no país. Encerrou sua perigosa peroração (atenção, todo cuidado é pouco ao mexer com islamismo) advertindo: "Não podemos aceitar que tenhamos em nosso país mulheres presas atrás de redes, eliminadas da vida social, desprovidas de identidade".

Encerrado o discurso, Nicolas Sarkozy pegou o rumo de casa, onde jantou muito bem na companhia de sua deliciosa cara-metade, vestida num terninho ultra-feminino dos mais chiques, e, para complementar a noitada, pôs no sistema de som do Elysée o mais recente disco de Carla Bruni, que, revelo o que todos sabem, canta muito melhor que Michelle Obama.

Um porém nessa história. Um porém sério. Sarkozy não leu direito (se é que leu) Hegel. O fato foi apontado por mais de um colunista atento aqui no Reino Unido. Eu mesmo, velhusco e algo esquecido, notei o fato. Sarkozy deveria ter refletido sobre aquela passagem de Hegel, em seu Filosofia do Direito, onde ele observa que todos nós temos a obrigação de distinguir a liberdade concreta da abstrata.

Liberdade abstrata, só para lembrar, é aquela em que você pode fazer o que quiser, contanto que escolha uma entre as 45 pastas de dente que o mercado oferece e as revistas e a televisão anunciam. Sendo que todas elas fazem o mesmo trabalho que uma escova, água e sabão fariam. É uma liberdade que veio no finzinho do capitalismo. Assim como quem não quer nada. E levando tudo. Inclusive a identidade que eu e você, e uma moça ou senhora de burca, construíram.

Para Hegel, essa liberdade abstrata não constitui liberdade coisíssima nenhuma. Uma vez que estamos nos limitando a seguir as determinações de uma sociedade danada de canalha. Hegel era um homem fino e jamais chamaria uma sociedade de canalha. Isso fica por minha conta.

Portanto, deduzindo e levando adiante o pensamento do prendado alemão: qualquer pessoa que faz parte da sociedade ocidental é uma vítima da moda, ou seja, aquilo que no Brasil é chamado, sem ironia, de fashion. (A língua inglesa é uma espécie de burca que ambicionamos vestir.) Uma mulher, seja ela a Carla Bruni ou a Michelle Obama, é prisioneira das vestimentas que escolheu, ou melhor, que a sociedade escolheu para ela.

Liberdade, para valer, no conceito de Hegel, é deixar de lado o condicionamento social e partir para a racionalização. Racionalização é mais embaixo. Ou mais em cima. Em suma, toda essas senhoras, saibam elas ou não, estão --claro-- de burca.

Procura-se uma identidade. Precisa-se de duas, três (como diria "El Che"), muitas comissões parlamentares em todo o mundo. As mulheres não tem nada a perder a não ser seu batom, maquiagem, cachecóis, saltos agulhas, pretinhos da Chanel, desmatamentos brazilian, tangas... etc... etc...

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