2 de outubro de 2009

O nosso maior pensador vivo



Entrevista com Newton Carneiro Affonso da Costa, matemático e filósofo

Pouca gente sabe, mas Curitiba pariu um dos intelectuais brasileiros mais reconhecidos mundialmente. Newton Carneiro Affonso da Costa, hoje com 80 anos, morador de Florianópolis, revolucionou o campo da lógica ao desenvolver a Teoria Paraconsistente, segundo a qual uma sentença e sua negação podem ser ambas verdadeiras (leia mais ao lado).

Filosofia
Teoria aceita contradições


Ao contrário da lógica clássica, o grande “salto” da Teoria Paraconsistente foi aceitar as contradições. Um dos princípios fundamentais da teoria de Aristóteles, o pai da lógica clássica, é a chamada Lei da Não-contradição: uma afirmação não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Baseada em complexa fundamentação matemática, a teoria criada por Newton da Costa revolucionou o campo da lógica ao não eliminar a opção entre duas alternativas.

O termo paraconsistente, que literalmente significa “ao lado da consistência”, foi uma sugestão dado por um amigo de da Costa, o filósofo peruano Francisco Miró Quesada, em 1976. Hoje, a lógica paraconsistente possui enorme aplicabilidade nas mais diversas áreas, mas principalmente na ciência da computação. No Japão, o sistema que monitora as linhas de trem e metrô é comandado a partir da lógica paraconsistente. Ela também é usada em controle de tráfego aéreo e na tomada de decisões no mercado financeiro.

Outra grande contribuição de da Costa foi a Teoria da Quase-verdade. De acordo com ela, a verdade muitas vezes está restrita a certas circunstâncias. A razão não pode provar a verdade absoluta, afirma o matemático. Um artigo escrito por Adonai Sant´Anna, Décio Krause e Francisco Antônio Doria, publicado na revista Scientific American Brasil, em junho de 2003, explica o que ela quer dizer: “Por exemplo, se observamos astros com pequenos binóculos e fazemos alguns cálculos simples, tudo se passa como se estivéssemos parados e os astros andassem à nossa volta, ou seja, como se a teoria de Ptolomeu (que sustentava ser a Terra o centro do universo) fosse verdadeira. Os resultados assim obtidos podem não ‘corresponder à realidade’ (...) mas ‘salvam as aparências’.” (BB)
Nascido na capital paranaense às vésperas da maior crise econômica de todos os tempos, em 1929, Newton formou-se na Universi­dade Federal do Paraná em Enge­nharia e Filosofia. Tornou-se catedrático de Matemática e mais tarde transferiu-se para São Paulo, onde lecionou na Unicamp e na USP. Nesta entrevista, ele fala sobre suas teorias, o ambiente intelectual brasileiro, religião e felicidade.

Como foi a sua formação?

Fui muito influenciado por um tio, Milton Carneiro, também professor da UFPR, que discutia muito filosofia e lia muitos livros comigo. Por outro lado, na minha família, todos se interessavam por política, assuntos atuais, e eu fui tomando conhecimento dessas áreas, inclusive autodidaticamente, e acabei me interessando enormemente pela ciência. Minha mãe achava que, sempre que possível, a gente não devia falar na primeira pessoa. Mas tratar de idéias, de coisas ge­­rais. Por exemplo, discutir política, aspectos filosóficos da vida, e não se preocupar tanto com os acidentes terrenos nossos.

Por que deixou Curitiba?

Não tenho queixa nenhuma da UFPR. Mas a universidade na época não me oferecia as coisas que eu queria. Era difícil trazer professores para a universidade ou obter bolsas para o exterior. A biblioteca era meio limitada e não havia verbas para pesquisas. Então achei mais interessante ir para a USP ou a Unicamp, onde havia condições mais interessantes para trabalhos científicos.

O que acha do ambiente intelectual brasileiro?

Está melhorando, mas ainda está muito atrasado. A USP e Unicamp, na classificação geral das universidades, estão bem longe da primeira, que no momento é Harvard.

Para melhorar, o que é mais ur­­gente?

Para começar, uma reforma completa no ensino secundário. O ensino secundário no Brasil é lamentável. Não há boa universidade sem base. Não é possível. Sem uma formação boa, de amor à ciência, de interesses outros além de futebol, não vão para frente a tecnologia e a ciência brasileira. É claro que na base de tudo isso está a família. O interesse fundamental por certos valores do espírito, na minha opinião, tem que nascer.

O senhor acha que é devidamente reconhecido pela academia brasileira?

De um modo geral, no Brasil, a pessoa que produz em ciência e filosofia é pouco conhecida. Seria desejável que as coisas mudassem. Pou­­co conhecido não só do “povão”, isso é razoável, mas também não se conhece os nossos colegas estão fazendo. Ninguém sabe o que está sendo feito em outras áreas. Quase tudo que é feito de bom é publicado em inglês. Publicar em português, em áreas como matemática, física, química, é perda de tempo. Ninguém lê. Cientificamente, português é uma língua praticamente morta. Nem os espanhóis entendem direito português.

Como o senhor explica a lógica paraconsistente?

A lógica paraconsistente, para ser explicada de uma maneira simples e fácil, é muito difícil. Mas dá para dar uma idéia geral. A lógica padrão, que normalmente se utiliza, não consegue dar conta, de uma maneira sensata, quando há informações contraditórias. Então você precisa de uma lógica especial. Vou dar um exemplo típico do que ocorre. Um sistema especialista, por exemplo, em medicina, é um sistema computacional que recebe milhares de informações de médicos. Os especialistas são en­­trevistados pelo que a gente chama de engenheiros do conhecimento. Depois essas informações são jogadas no computador, no sistema es­­pecialista. É óbvio que essas vá­­rias afirmações e suposições dos vários médicos divergem entre si. Um médico quer aplicar num tratamento cardíaco uma determinada técnica. Outro quer outra. No com­­putador, se a gente não usar uma lógica adequada, o sistema co­­­­lapsa. Uma das alternativas é a ló­­gica paraconsistente. Por outro lado, ela tem também um grande valor filosófico. Ela foi aplicada a diversas áreas, como economia, filosofia e computação

E a Teoria da Quase-verdade, tam­­­­­­bém desenvolvida pelo se­­nhor?

Foi outro caminho que eu procurei abrir. Na física, por exemplo, sistematicamente o físico lança mão de teorias que são incompatíveis en­­tre si. Na base das grandes teorias físicas, por diversas razões, em vez de falar de teorias verdadeiras, prefiro falar de teorias quase-verdadeiras.

O senhor diz que verdade é restrita a certas circunstâncias.

Em parte é. Quando você vai fazer relatividade geral, você deixa de la­­do forças elétricas, magnéticas, uma série de coisas. Você supõe uma série de restrições, e trata de um caso de certa forma idealizado. Isso é exatamente o que se faz na quase-verdade. É a formulação ri-­­ gorosa do que os filósofos chamam de “salvar as aparências”.

Uma das críticas que o senhor combate sobre a lógica paraconsistente é que ela tenta destruir a lógica clássica...

A lógica paraconsistente não destrói a lógica clássica, ela amplia. To­­do mundo diz que a relatividade destruiu a mecânica newtoniana. Isso é falso. Sem mecânica newtoniana não haveria relatividade. Sem dúvida, em sua área, a lógica paraconsistente é uma mudança de paradigma. Até ela ser desenvol­­vida, ninguém aceitava, e ainda muitos não aceitam, que pudesse existir uma lógica diferente da ló­­gica clássica. Só existia a lógica clássica. Foi uma mudança radical.

Que teoria o senhor gostaria de estar vivo para ver comprovada?

Uma das coisas que eu no momento mais gostaria é que a Teoria das Cordas, em física, funcionasse. Que de fato se chegasse à conclusão de que ela é realmente o que se quer dela: uma unificação completa da física. Seria um dos grandes saltos paradigmáticos da física e da ciência em geral. E indiretamente da própria lógica.

Como cientista, o senhor acredita em alguma coisa que não possa ser comprovada?

Sem dúvida, mas isso não é ciência. Seria uma coisa meta-científica. Muita gente acredita em Deus, mas, por enquanto, isso é inacessível à ciência. Eu não tenho nada contra quem acredita num Deus de barba e etc, como aparece na Bí­­blia. Eu não tenho nenhuma religião formal, mas no fundo penso mais ou menos como Einstein pensava. Existe uma força, existe algo, que seria muito difícil de descrever em palavras, é mais uma coisa de intuição. Há uma certa ordem, uma certa força na natureza, mas não personificada, como usualmente vemos. Isso não.

Como é sua visão política?

Está tão ruim a política no Brasil, que eu me afastei completamente. Era um tema que me interessava quando jovem. Mas vendo essas bar­­baridades de hoje, eu fico pasmo, paralisado. Não sei o que fazer. Até porque já tenho uma certa idade.

O que o senhor recomenda para quem tem interesse em filosofia?

Os problemas da filosofia, de Bertrand Russell. E também entrar num bom curso de filosofia. Sem um curso, sem a necessidade de discutir com colegas de nível, não se pode fazer nada.

A felicidade plena é possível?

Acho meio difícil. Uma das coisas que sempre me influenciou foi uma frase de David Copperfield, herói de Charles Dickens. Ele diz: “Serei eu herói da minha própria vida?” Eu digo o seguinte: a maioria das pessoas é náufraga na própria vida. E, sendo náufraga, é difícil ser feliz.

Como deixar de ser náufrago?

É muito difícil. Na verdade, você nas­­ce e morre sem saber por quê. Se a pessoa acreditar na religião, ela pode superar esses problemas. Mas, se quiser ter uma atitude racional, é o náufrago, não tem solução. Por isso, ser ignorante ou meio burróide é formidável. A felicidade está em se sentir bem. Eu quando estou trabalhando com as minhas coisas, minhas pesquisas, me sinto bem, e aí ei sinto feliz. A família e a vida amorosa também são importantes.



Colaborador:Rodney Eloy

Um comentário:

Marise von disse...

Parabéns pelo trabalho de vocês.
Estou passando por aqui para dar um olá.
Ainda não conhecia o filósofo Newton Carneiro Affonso da Costa.
Abraços,
Marise