9 de agosto de 2010

Uma leitura teológica da Igreja: como tradição e como ruptura

Antes, refletimos sobre a questão do poder na Igreja, centralizado no clero e no papa, de cariz absolutista. Alguns ficaram chocados. Agora, cabe uma reflexão geral, teológica: considerar as realidades divinas subjacentes à Igreja, entendida como comunidade que se forma a partir da fé em Jesus como Filho de Deus e Salvador universal.

A intenção primeira de Jesus não foi a Igreja, mas o Reino de Deus, aquela utopia radical de completa libertação. Tanto assim que os evangelistas Lucas, Marcos e João sequer conhecem a palavra Igreja. É somente Mateus que fala (três vezes) de Igreja. Mas não se realizando o Reino de Deus devido à execução judicial de Jesus, a Igreja entrou em seu lugar. O Novo Testamento transmite três formas diferentes de organizar a Igreja: a sinagogal de são Mateus, a carismática de são Paulo e a hierárquica dos discípulos de Paulo, Timóteo e Tito. Foi esta que prevaleceu.

Antes de mais nada, a Igreja se define como comunidade de fiéis. Enquanto comunidade, ela se sente ancorada no Deus cristão que também é comunidade de Pai, Filho e Espírito Santo. Isso significa que a comunidade é anterior às instâncias de poder, cujo lugar é no meio dela, como serviço de animação e de coesão. O amor e a comunhão, essência da Trindade, são também a essência teológica da Igreja.

Essa comunidade se sustenta sobre duas colunas: Jesus e o Espírito Santo. Jesus aparece sob duas figuras: a do homem de Nazaré, pobre, profeta que pregou o Reino de Deus (em oposição ao reino de César) e que acabou na cruz; e sob a figura do ressuscitado que ganhou dimensão cósmica, estando presente na matéria, na evolução e na comunidade, como antecipação do homem novo e do fim bom do universo.

A segunda coluna é o Espírito Santo. Ele estava presente no ato da criação do cosmos, acompanha a humanidade e cada pessoa e chega antes do missionário. É ele que suscita a espiritualidade: a vivência do amor, do perdão, da solidariedade, da compaixão e da abertura a Deus. Na Igreja, ele mantém vivo o legado de Jesus e é responsável por sua contínua atualização com carismas, pensamentos criativos, ritos e linguagens inovadoras.
Cristo, por ser a encarnação do Filho, representa o lado permanente da Igreja, seu caráter institucional. O Espírito, o lado criativo, seu caráter dinâmico. A Igreja viva é algo estruturado, mas também algo mutante.

Diz-se também que a Igreja concreta, como comunidade e como movimento de Jesus, possui duas dimensões: a petrina e a paulina. A petrina (de são Pedro papa) é a tradição e a continuidade. A paulina (de são Paulo) representa a ruptura, a criatividade. Paulo deixou o solo judaico e partiu para a inculturação no mundo helênico. Pedro é a organização, Paulo, a criação.

Pedro e Paulo se encontram unidos na figura do papa, herdeiro e guardião das duas vertentes. Ambas se pertencem mutuamente. Mas, nos últimos séculos, predominou a dimensão petrina, quase afogando a paulina. Tal desequilíbrio deu origem a uma organização centralista, com o poder em poucas mãos, conservadora e resistente ao novo, seja vindo do interior da Igreja, seja da sociedade. O atual papa é quase exclusivamente petrino, avesso a toda modernidade.

Hoje se impõe recuperar o equilíbrio eclesiológico perdido. A Igreja deve manter a herança intacta de Jesus (Pedro) e, ao mesmo tempo, renovar as formas de sua realização no mundo (Paulo). Só assim supera seu conservadorismo e mostra sua criatividade na comunicação com os contemporâneos.

Colaborador:Rodney Eloy

Fonte:Otempo

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