30 de agosto de 2008

Os impactos da globalização no homem Parte 3


Entrevista de Silio Boccanera ao Sociólogo Anthony Elliot.

S- Quando são postas no mercado, quem pode pagar por elas não enfrenta crise alguma. Isso ocorre com moradias, transporte público, educação e saúde. Os que têm condições conseguem se virar. Quem depende do Estado não consegue fazer isso. Isso também deve criar muita tensão e ansiedade, não?

E - Cria, sim. Obviamente, isso exacerba a discrepância entre quem tem e quem não tem. É por isso que, atualmente, estamos vendo níveis estarrecedores de desigualdade e disparidade. Vemos isso todo ano. Ao mesmo tempo, são reduzidos os salários dos empregados e há o debate acerca do setor financeiro, das comissões gigantescas pagas no centro financeiro. Em certo ponto, pode-se pensar, agora que o colapso do crédito está ocorrendo na economia global de 2008, que talvez, tenha chegado a hora em que haverá um desencadeamento de rancor social e de preocupação política, e que a situação não pode continuar piorando, o interessante é que isso leva à sociedade e ao individualismo do tipo "faça você mesmo". As pessoas cuidam da tarefa de prover sua própria segurança, sua proteção, isso é interessante, pois cria possibilidades incalculáveis para os produtores, para empresas e corporações que estão vendendo de porta em porta estratégias de sobrevivência. Nós vimos isso claramente logo após o 11 de Setembro. As pessoas, em pânico, compravam máscaras de gás; compravam, pela internet, todo tipo de medicamento, pílulas necessárias para a sobrevivência durante um ataque com armas biológicas, há muitos ângulos a analisar, o que representaria uma perda para a liberdade individual e para segurança individual pode ser um ganho para um mercado maior e para a expansão do capitalismo global.

S- Isso me lembra a observação feita por seu colega, o professor Zygmunt Bauman, de que não podemos buscar soluções biográficas para problemas sociais, Mas isso acaba acontecendo na sociedade. A rede social que protege as pessoas é removida, e elas precisam buscar soluções individuais.

E - Acho que isso está correto. Zygmunt Bauman é um dos analistas mais perspicazes de nosso mal-estar cultural contemporâneo nesse sentido. Não há duvidas de que a aceitação da mensagem... Não só da mensagem de que se deve buscar uma solução biográfica para os problemas sistêmicos globais, porque, como diz ele, isso não resolve nada. Como obter uma solução privada para o aquecimento global? Essa é a possibilidade política, acho que, quando cai a ficha de que um individuo não pode se livrar de um desastre nuclear em potencial nem de uma catástrofe ecológica indiscriminada, cria-se a possibilidade de espaço para uma nova política e uma nova reflexão sobre os problemas políticos urgentes que temos visto.

S- Em que direção você acha que é preciso ir?

E- Uma vez me disseram... Foi Zygmunto Bauman quem me disse que a tarefa dos sociólogos não é prever, certamente, não é tentar prever o futuro. Em relação à direção, creio que haverá múltiplas direções. Haverá todo tipo de reação. Mas os problemas sistêmicos globais que ele cita, os problemas de nosso tempo, do petróleo, da água, de recursos renováveis... de alimentos. Estas questões é interessante ver que, nesse curto espaço, se voltarmos ao que eu dizia, o surgimento da globalização irrestrita e acelerada no inicio dos anos 70, quem teria pensado na época que as politicas de alimentos, de água e de petróleo se tornariam o eixo central que definiria totalmente a politica no mundo todo?

S - Nós falávamos dos danos ao individuo e dos vários aspectos desses danos, isso não afeta a pessoa de modo isolado. Afeta as amizades, as relações pessoais, a vida amorosa, a vida profissional... Isso vai muito além do individuo por si só. Isso causa efeitos sobre a sociedade.

E - Os custos emocionais são sérios. Muito disso tem a ver com a ascensão das mobilidades, o surgimento da sociedade móvel. As pessoas viajam boa parte da manhã e da noite para poderem trabalhar. As pessoas viajam sem parar, tanto doméstica quanto internacionalmente. Viajam por meio da comunicação. Estão sempre no celular, na internet e passando e-mails. Nós vivemos em uma sociedade em que estar em outro lugar é valorizado. As pessoas estão aqui, mas, mentalmente, em outro local. Paga-se um preço enorme por isso, É um preço emocional que o ser humano paga, na intimidade, na sexualidade e nas relações em geral. Tanto que, cada vez mais, se torna questionável não só se há futuro para a família burguesa tradicional, mas se há um novo individualismo, se estamos vendo surgir uma nova criatura social, que vai buscar intimidade e relacionamentos com outros de modos totalmente novos.

S- Isso também traz uma sensação de alienação do ponto de vista individual, uma sensação que o individuo tem de não poder mudar essa situação, sendo assim, de que adianta votar, se envolver na política e se mobilizar? Ele se aliena completamente. Você vê esse fenômeno acontecendo?
E - Acho que a política está se mobilizando, hoje, em todo tipo de novos espaços. O sociólogo alemão Ulrich Beck chama isso de "subpolítica", a política está girando em torno de identidades, sexualidades, equilibrio entre vida pessoal e trabalho, alimentos, direitos humanos internacionais... me parece que a política não está perdida de modo como é, às vezes, veiculado pela mídia de massa.

S - Onde está o contra-ataque? Onde está ocorrendo e sob que forma?
E- A maior parte do contra-ataque como você denomina, ocorre em vários tipos de...como posso colocar? De interespaços, ou seja, lugares que não necessária nem tradicionalmente associamos com a política como costumo dizer. Isso é complicado, pois pode soar como uma individualização da política, na qual o sujeito, simplesmente, busca suas próprias soluções. Mas acho que há outra dimensão hoje, nós vemos isso na auto-ajuda, no movimento da terapia, na politização da arte... Em várias áreas, na sexualidade, nas relações entre os sexos, na renegociação entre vida pessoal e pública... Muita coisa está começando a acontecer, novamente, eu me abstenho de fazer previsões, já é difícil pensar onde estaremos no ano que vem, quanto mais daqui a dez anos, mas há um motivo para isso, o pensamento a curto prazo virou a ordem do dia, não só os projetos pessoais, mas os projetos políticos e até tentativas de fóruns regionais, como o da União Européia para negociar seu rumo, parecem se calcar no curto prazo. Isso torna nosso futuro muito ambivalente e contraditório. Todavia, o espírito humano, para se incumbir desses dilemas, continua tão forte e empenhando como sempre.

Fonte: Globo.com

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