15 de outubro de 2008

O Acaso e a Ciência

O Acaso e a Ciência
Você acredita no acaso? Alguns acreditam, outros não; raro mesmo é encontrar alguém que não fique surpreso ao ouvir o que a ciência diz sobre o assunto. Vamos, então – neste terceiro artigo de nossa série sobre o acaso – à ciência:
"Deus não joga dados com o Universo," disse certa vez Albert Einstein, querendo com isso asseverar que não existe acaso. Mas estaria o genial cientista concordando com nossa especulação metafísica: "acaso" talvez seja apenas o nome dos motivos que estão muito além do que alcançamos compreender, e do que jamais alcançaremos?
Seria fácil cairmos no erro de imaginar que sim, mas o que Einstein realmente quis dizer foi algo distinto; e para compreendermos essa distinção será necessário atentar para os diversos significados da pergunta "por quê?" e da palavra "motivo": ambas podem se referir tanto a causa como a finalidade.
Em nossa suposição metafísica, ao falar em motivo por trás do acaso, a palavra motivo significava finalidade: e.g. uma sabedoria superior que ditaria os acontecimentos segundo suas intenções. Quando Einstein nega o acaso, subentendendo que todos os fatos tem seu motivo, a palavra motivo significa causa.
Qualquer semelhança decorre das ambigüidades da língua. A pergunta "por que isso acontece?" para Einstein significa "quais as causas disso?"; para nossa reflexão metafísica significava: "qual a finalidade disso?"
E a distinção entre causa e finalidade é facilmente entendida através do seguinte exemplo, do brilhante etologista Konrad Lorenz:
Imaginemos que precisamos ir de Cascavel a Foz e que para isso estamos viajando em um carro. Se alguém perguntar Por que o carro está andando? A resposta: Para nos levar a Foz, trata da finalidade. A resposta: Porque a gasolina está explodindo dentro dos cilindros e impulsionando os pistões... etc... trata da causa. Se acabar a gasolina, continuaremos com a necessidade de ir (finalidade), mas as causas terão deixado de existir e o carro deixará de andar.
A metafísica, ao falar do acaso, pode discutir finalidades; a ciência, não. Esta se limita a causas e conseqüências. Portanto, o que Einstein quis dizer com os dados foi que "qualquer evento é determinado por causas".
"E o que tem isso de tão surpreendente?" perguntaria o leitor. Pois espere até vermos a idéia de Einstein traduzida na prática...
Quem nunca viu na TV um daqueles gigantescos relógios das praças de cidades alemãs, que têm bonecos que andam em trilhos com martelos nas mãos para bater os sinos? Alguns têm até animais, como vaquinhas que dão coices, carneiros que dão chifrada, pássaros que gritam e outros personagens... Dentro desses relógios, tudo que acontece – e que jamais vai acontecer – é previsto. Todas ações de seus personagens são pré-programadas e foram calculadas no instante em que o relógio foi construído. Se quisermos saber hoje o que a vaquinha vai estar fazendo daqui a exatamente trezentos anos, duas horas e cinco minutos, basta calcular. O resultado será preciso: e.g. ela vai estar dando um coice no sino para marcar 1:45!
Tente então imaginar o que seria nossa vida se fossemos como um desses bonequinhos de relógio... se cada mínimo gesto nosso e cada mínimo pensamento, desde o instante do nascimento até o da morte, fossem pré-programados.
Imagine que o mundo inteiro é um gigantesco relógio cheio de personagens maquinais, e que absolutamente tudo que fazemos não passa de gestos mecânicos pré-determinados, inclusive o presente ato de ler este jornal, inclusive os pensamentos que estão ocorrendo ao leitor ou leitora neste exato momento... Cada folha que se move, cada pequena partícula de poeira que paira ao vento... tudo não passa de engrenagens de um gigantesco relógio...
A luta que o leitor travou consigo mesmo nesta manhã para sair da cama... e cada uma das escolhas que ele ou ela pensa ter feito na vida... foram meras ilusões... pois tudo já estava pré-programado... e todo o universo está inteiramente programado... até o fim dos dias...
Parece absurdo? Pois isso se chama determinismo e é exatamente assim que Einstein, e praticamente todos os cientistas dos séculos XVII a XIX, via o mundo!
E a primeira manhã da criação escreveu, o que o último crepúsculo há de ler. (Omar Khayyam, Rubáiyát)
Fonte: Artigos publicados no Jornal O Paraná

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