2 de julho de 2009

Foucault, 25 anos depois

Sair do mundo na ponta dos pés foi a escolha do filósofo francês contra as pretensões espetaculares de uma sociedade do controle. O curso terminado três anos antes de morrer mostra uma clara oposição à tentativa de transformar a sua pesquisa em um corpo de doutrinas. Apesar disso, seu pensamento corre o risco de ser cristalizado em alguns conceitos-chave: biopolítica, cuidado de si, governamentalidade, estética da existência.

Há 25 anos, no momento em que Michel Foucault concluía o curso "Le courage de la vérité", nenhum dos seus ouvintes no Collège de France imaginava que esse seria o último. Aidético, Foucault havia postergado o início do curso, começando em fevereiro, e não em janeiro, como de hábito, mas durante as lições nunca havia dado sinais de cansaço. Muitas vezes, havia até prolongado em uma dezena de minutos o horário previsto e justamente naqueles momentos havia tentado algo a mais com relação à reconstrução genealógica da noção grega de parrésia, o "falar-franco" que era o objeto do curso.

A reportagem é de Stefano Catucci, publicada no jornal Il Manifesto, 25-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No dia 29 de março de 1984, por exemplo, nos dez minutos suplementares, Foucault havia esboçado uma linha de pesquisa que leva da antiguidade aos nossos dias, redescobrindo a persistência da parrésia nos movimentos ascetas da Idade Média, na prática revolucionária do século XX, enfim, na arte moderna. A exigência artística de colocar a vida "a nu" era então apresentada por Foucault como a versão extrema de uma forma de vida que ia contra a história da filosofia ocidental, mas que os historiadores removeram: a de uma verdade cuja afirmação arrisca ferir os contemporâneos e se baseia, por isso, na coragem de desafiar suas consequências, sejam elas o isolamento, a incompreensão ou até a morte.

Só duas vezes, no curso, Foucault manifesta a necessidade de interromper sem seguir até o fim o texto escrito que havia preparado (reproduzido por Frédéric Gros no aparato crítico da edição publicada na França há alguns meses).

As últimas palavras

A primeira lamenta uma febre; a segunda, a falta de tempo: é a última lição, e são as últimas palavras pronunciadas por ele na sala 08 do edifício na Rue de l'Université: "Ainda tenho coisas a dizer sobre o quadro geral dessas análises. Mas é muito tarde. Então, obrigado". Palavras óbvias, banais, como sempre são ditas no fim de um curso, em nada comparáveis ao simbolismo enigmático da última frase de Sócrates, comentada longamente por Foucault naquelas semanas ("Críton, devemos um galo a Esculápio. Paga a dívida, não te esqueças"). Porém, palavras que a morte de Foucault enche, inevitavelmente, de significado: não houve mais tempo depois daquele momento, e isso que ele ainda tinha a dizer permaneceu em suspenso, indeterminado, tornando-se, às vezes, menos vago justamente a partir das leituras dos cursos publicados, mas paradoxalmente voltado a se cristalizar em torno a um núcleo doutrinário formado por uma série de conceitos-chave: biopolítica, cuidado de si, governamentalidade, estética da existência.

É difícil entender o quanto ele era consciente da sua doença. Na cronologia redigida por Daniel Defert para a edição francesa dos "Dits et écrits" (1994), lê-se que, nos últimos meses de 1983, ele tinha a suspeita de ter contraído Aids, mas que, no começo do ano novo, um robusto tratamento de antibióticos tinha restituído sua energia e seu bom humor, permitindo-lhe programar o início do curso e jogando fora os seus temores. Já em março, porém, frente às hesitações dos médicos, Foucault pareceu se render: não pedia um diagnóstico que, de resto, não lhe seria dado, e não tinha outra pergunta senão a que se referia ao tempo que lhe restava.

Alguns meses antes, ele havia começado a traduzir junto com Martin Ziegler um ensaio de Norbert Elias,"Die Einsamkeit des Sterbendes" ["Solidão dos Moribundos", editora Jorge Zahar, 2001], e a morte, o modo de enfrentá-la segundo as características de uma vida filosófica, também estaria no centro das suas lições, dando a elas, retrospectivamente, uma entonação testamentária. Alguns de seus amigos mais próximos não ousavam dirigir-lhe perguntas diretas, mas procuravam arrancar-lhe, talvez obliquamente, uma explicação.

Uma existência ética

Paul Veyne, muito próximo de Foucault, também como consultor para os seus estudos sobre o mundo antigo, perguntou-lhe se, como histórico da medicina, ele considerava que a Aids fosse verdadeiramente uma doença, ou não até uma lenda moralizadora. "Ela existe de verdade", respondeu Foucault, "não é uma lenda", e acrescentou ter enfrentado a fundo a questão. Porém, outras palavras não foram gastas por ele sobre o assunto, e o romance "Ao amigo que não me salvou a vida" [Editora Livros do Brasil, 1993] de Hervé Guibert, publicado em 1990, permite pensar que havia uma relação de pouca ou remota consciência com o mal que o afligia.

Paul Veyne se lembra ainda de ter tido um diálogo com ele naqueles meses a propósito das pesquisas de Philippe Ariès sobre as cerimônias fúnebres da Idade Média; "Prefiro", teria dito Foucault, "a tristeza doce da morte a qualquer tipo de cerimônia". Quase como se a única tarefa a ser realizada fosse o de dar sentido à morte, de torná-la bela, sem nenhum resto a ser consumado ritualmente.

No último curso, Foucault toca frequentemente o problema de uma beleza mais ligada à vida, à existência, e, consequentemente, também à morte, e não ao campo daquelas práticas tão caras ao Ocidente moderno e identificadas, desde o Renascimento em diante, com a obra de arte. Seria preciso escrever, dizia, uma história da existência como "objeto de elaboração e de percepção estética", problema delineado claramente no pensamento grego, mas sucessivamente recoberto por uma outra beleza, aquela que a modernidade atribuiu em via exclusiva "às coisas e às palavras".

Foucault não teve tempo para escrevê-la, nós não tivemos a possibilidade de espiar os seus traços no silêncio que acompanhou o seu fim. Em 1978, lembra Daniel Defert, Foucault havia evocado "o jogo do saber e do silêncio que o doente aceita para permanecer dono da sua relação secreta com a própria morte". Vinte e cinco anos depois da sua morte, o fato de ter mantido o segredo sobre essa relação é ainda razão de escândalo para muitos que teriam preferido vê-lo levantar-se publicamente em testemunho, justamente como Hervé Guibert faria alguns anos depois.

Porém, a exposição de si era uma técnica que Foucault tinha analisado nos textos e nas práticas do cristianismo primitivo, uma reprodução ritual do martírio muito distante da visão da existência que Foucault ligava à beleza, na qual não só a autonomia ética, mas também a conservação possessiva de uma margem de segredo, de opacidade ao olhar alheio, desempenham um papel fundamental.

Em uma série de conferências ainda inéditas, pronunciadas em 1981 na Universidade Católica de Louvain ("Mal faire, vrai dire"), Foucault havia encontrado no "De pudicitia", de Tertuliano, uma teorização completa daquele modo de se expor diante da comunidade que, em latim, se dizia "publicatio sui", uma maneira de teatralizar a penitência por meio de um ato de mortificação, a oferta ao público do próprio estatuto de pecador.

"Mata-se em si esse mundo de morte que não se queria deixar pecando", comenta Foucault. "Mostra-se, por isso, que se está: morto para o pecado e pronto para morrer para não pecar mais". Se essas observações são confrontadas com as que, anos antes, no curso intitulado "Os anormais" (1975), ele havia dedicado à questão do segredo, compreende-se a insensibilidade filosófica de Foucault, portanto não apenas pessoal ou idiossincrática, que manifesta a sua doença, independentemente do quanto ele estivesse ou quisesse estar consciente dela.

A invisibilidade, a morte, o silêncio se tornam, assim, a representação de um comportamento que não quer comerciar a sua singularidade como caso exemplar, não quer se colocar como "guia" intelectual ou moral, nem mesmo no ato da morte, como se o fato de sair do mundo na ponta dos pés, mais do que em pompa magna, fosse um modo para se eximir das pretensões espetaculares de uma sociedade do controle.

Na origem do modelo panóptico do poder – ele havia explicado em "Vigiar e punir" –, esteve, no século XVII, a experiência do palácio que Le Vaux havia construído em Versalhes para Luís XV, no qual os animais foram, pela primeira vez, encerrados em gaiolas colocadas ao redor de um salão do qual o rei podia observá-los. O poder moderno é um desenvolvimento desse modelo naturalista. "O Panopticon é um palácio" onde o animal "é substituído pelo homem"; o reagrupamento das espécies, "pela distribuição individual"; o rei, "pelo aparato de um poder furtivo”. Tornar-se invisível torna-se um princípio de resistência. No dia seguinte à sua morte, o jornal Le Monde revelou ser justamente Foucault o filósofo que, em 1980, havia exigido o anonimato como condição para a publicação de uma entrevista ("O filósofo mascarado").

De todos os modos, muito mais do que o silêncio com o qual ele envolveu os seus últimos dias, o que continua fazendo barulho, um quarto de século depois da sua morte, é o pensamento de Foucault, o rigor de uma atitude crítica transformado em forma de vida e conscientemente reivindicado como tal. O curso terminado três meses antes de morrer mostra com evidência a sua clara oposição à tentativa de transformar a sua pesquisa em um corpo de doutrinas.

Foucault, pelo contrário, retoma um projeto de filosofia crítica, dando-lhe um acento novo, devido à incorporação daquilo que ele chama de uma "atitude parresiástica". Se a partir da sua fundação em Sócrates e em Platão o discurso filosófico nunca coloca uma pergunta sobre a verdade sem se interrogar, ao mesmo tempo, sobre a ética e sobre a política, sobre o governo e sobre as práticas e subjetivação, então, afirma Foucault, podem-se distinguir na história atitudes filosóficas muito diversas entre si.

A alucinação de Paul Veyne

Há uma "atitude profética" que consiste em superar o limite do presente e em prometer a reconciliação que ocorrerá entre a verdade, a política e a ética. Há uma "sabedoria filosófica" que afirma a unidade fundamental desses três âmbitos, e, simetricamente, uma "atitude técnica" que tende, pelo contrário, a definir a sua separação irredutível: de um lado, as condições formais da verdade, da lógica; de outro, as melhores formas para o exercício do poder; de outro ainda, os princípios da conduta moral.

Diante dessas linhas de desenvolvimento da filosofia, a "atitude parresiástica" se distingue porque reconduz – "obstinadamente e sempre recomeçando do início" – o problema da verdade ao das suas "condições políticas" e ao da "diferenciação ética"; o problema do poder à "sua relação com a verdade e com o saber de um lado, e ao da diferenciação ética do outro"; a questão do sujeito moral ao "do discurso verdadeiro no qual tal sujeito se constitui e das relações de poder nas quais ele se forma".

É nesse nível, como nota Frédéric Gros, que Foucault dá a sua contribuição, e é por isso que, diante de quem lamenta a falta de uma "verdadeira" filosofia do conhecimento, ou de uma "verdadeira" moral no seu pensamento, pode-se responder, como faz Gros: "por sorte", porque a sua ideia é a de não concebê-las como âmbitos autônomos, justapostos, a serem exauridas de modo metódico e isolado, mas como nós de uma rede que se caracteriza pela reciprocidade das suas relações.

O dia em que Foucault morreu, Paul Veyne conta ter tido uma alucinação. As últimas notícias não eram boas, os médicos da Salpêtrière, onde ele estava internado, não sabiam mais o que fazer. A única consolação havia sido receber no hospital as primeiras cópias dos seus novos livros, "O uso dos prazeres" e "O cuidado de si". Na estrada, Veybe é ultrapassado em grande velocidade por um carro que ele não reconhece logo por aquilo que era: um carro fúnebre. Quem o dirigia era justamente Foucault: Veyne o vê dirigindo-lhe um sorriso logo antes de se dar conta de que estava sonhando de olhos abertos. A visão, no entanto, "tinha a engenhosidade alegórica dos sonhos próximos do momento do despertar". Foucault estava indo aonde todos iremos, mas a sua inteligência superava todos nós com a elegância de uma última ultrapassagem. Vinte e cinco anos depois, toda vez que o lemos, sempre temos a impressão de que ele ainda não deixou de nos superar em velocidade.

Passagens da vida e das obras de Foucault

Filósofo, arqueólogo dos saberes, ensaísta literário, professor no Collège de France, entre os grandes pensadores do século XX, Foucault foi o único que realizou o projeto histórico-genealógico idealizado por Nietzsche, que indicava que ainda faltava uma história da loucura, do crime e do sexo. Foucault, com efeito, estudou o desenvolvimento das prisões, dos hospitais, das escolas e de outras grandes organizações sociais. É sua a teorização que vê o modelo do Panopticon, idealizado por Jeremy Bentham, como aplicável à sociedade moderna.

A produção de Foucault pode ser dividida em dois períodos: o primeiro, relativo às teorias coletadas em "A História da Loucura na Idade Clássica", "O nascimento da clínica", "As palavras e as coisas" e "Arqueologia do saber". Nessas obras, Foucault propõe uma análise, que ele define como "arqueológica", dos processos de constituição e de formação do "saber" em um certo momento, em um certo lugar, por uma certa disciplina. Particularmente, Foucault analisa a formação do campo de estudos das "ciências humanas".

O segundo período da sua produção, ao invés, está diretamente interessado no exercício do poder e no seu funcionamento. Importantes são também os estudos de Foucault sobre a sexualidade e sobre o tema do conhecimento.

Fonte: Unisinos

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