1 de julho de 2009

''A violência deve ser tratada em sua complexidade''. Entrevista com Edgar Morin

Se violência gera violência, submeter um jovem infrator ao cárcere só fortalece seu lado agressivo. Esta é uma das várias declarações humanistas do filósofo francês Edgar Morin, que está no Brasil para uma série de palestras e seminários. Enquanto o mundo se preocupa com os conflitos entre iranianos, é o pobre e esquecido povo do Sri Lanka que ele lembra em primeiro lugar quando perguntado sobre formas de violência que mais o preocupam.

A entrevista é de Lincoln Macário, da TV Brasil, 24-06-2009.

Quanto aos conflitos no Irã ele afirma que as informações vindas de lá devem ser sempre analisadas em seu contexto histórico, político e social.

Na entrevista ele explica sua Teoria da Complexidade. Autor de 30 livros, entre eles a obra em seis volumes O Método e Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, Morin avalia que o mundo ainda não compreendeu a importância do erro - um desses sete saberes - e revela que a educação mudou pouco nos últimos anos, pois permanece ainda muito negativa.

Prestes a completar 88 anos, Morin se empenha em popularizar os conceitos de Política da Civilização e Política de Humanidade. Admirador do Brasil, o professor concedeu a entrevista em português. Recém-chegado da França, ainda não tinha “tomado um banho de português” necessário para deixar suas frases mais “belas”. A mistura, porém, não tirou o caráter inovador de suas ideias.

Eis a entrevista.

O assunto que o traz a Brasília são os direitos humanos e, em especial, as formas de violência. Nesse tema, que tipo de violência mais o preocupa?

A mais preocupante é a violência que vem com as guerras, as perseguições, como é a violência que chegou ao Sri Lanka há poucas semanas. A população, aos milhões, está em situação de horror, de matança. Isso é o mais grave. Mas também são as violências urbanas, cotidianas, matrimoniais, muitos homens que golpeiam as mulheres, os pequenos, uma situação muito impressionante. Mas a coisa mais importante é quando se diz, vamos fazer violência para acabar com violência. Em condições gerais, violência, gera outra violência. É um ciclo que não se interrompe. A questão fundamental é como parar a violência. Fazer com que em um momento não exista mais violência. E há vários caminhos: são os caminhos da compreensão. Por exemplo: a violência juvenil. Ser jovem é um momento de transição. Se essa violência é respondida com a violência do cárcere, vai se produzir delinquentes mais fortes. Outra política de compreensão para a pessoa fazer sua transformação é um momento de magnanimidade, de perdoar a pessoa e interromper o ciclo de violência. Existem exemplos, limitados, como de Gandhi, que sem violência teve sucesso contra o império inglês. Há vários tipos de meios. Hoje podemos pensar em lutar contra todas as formas de violência, com os modos apropriados para cada forma de violência.

O senhor é conhecido no mundo inteiro, e muito estudado, também no Brasil, pela Teoria da Complexidade. Como se poderia resumi-la?

Falamos primeiro de violência. Na complexidade, não podemos reduzir uma pessoa a seu ato mais negativo. O filósofo Hegel disse: se uma pessoa é um criminoso, reduzir todas as demais características de sua personalidade ao crime é fácil. Entender, não reduzir a uma característica má uma pessoa que tem outras característica, isso é a complexidade. Uma pessoa humana tem várias características, é boa, má e muito mais. Devemos entender que a palavra latina complexus significa tecido. Em geral, o nosso modo de conhecer que vem da escola nos ensina a separar as coisas, e não religá-las. A complexidade significa religar. Por exemplo: um evento, um acontecimento, uma informação. Quando chega uma informação sobre o que ocorre no Irã, por exemplo, devemos entender o contexto político, histórico, social. A complexidade busca favorecer uma compreensão maior que a compreensão que vem de se isolar a coisas, colocar o contexto, todos os contextos em uma situação.

Em “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, o senhor fala da importância do erro. A humanidade já compreende e já aceita melhor o erro?

É uma coisa que disse Descartes, o problema de errar é não saber que se erra. Eu penso que é muito inteligente quando se sabe que se comete um erro e se esquece do erro. Penso que é muito importante conhecer as fontes do erro. De onde vem o erro.

Mas a humanidade vê melhor o erro do que há dez, vinte ano atrás?

Penso que não há progresso, o sistema de educação não mudou, é cada vez mais negativo. Os problemas globais fundamentais são cada vez mais fortes. Por isso penso que há a necessidade de reformar a educação. Com uma idéia melhor de como se faz o conhecimento e também compreensão humana dos outros. Penso que minha proposta será muito útil para o desenvolvimento nosso futuro.

Para aceitarmos a complexidade, é preciso uma reforma do pensamento e enxergar o mundo de outra maneira. O senhor acha que os meios de comunicação tradicionais essa reforma do pensamento ou é uma tarefa para a internet?

A internet hoje dá uma possibilidade de multiplicação de informação e comentários, que é muito útil, por que a vida de uma democracia é a pluralidade das opiniões, visões, sem a homogeneidade da imprensa. Não há muitas diferenças na grande imprensa. É muito útil a internet, o que não significa que não há coisas falsas que venham dessas redes. Mas é a educação que dá à pessoa condição de ver e confrontar o que vê na internet e na televisão. Penso que hoje a internet dá uma possibilidade de mudança muito grande, por exemplo, pela complexidade. No México, há um curso de complexidade da educação virtual, com 25 países.

O senhor tem se dedicado muito a pensar a política e tem feito a separação da política da civilização e da política da humanidade. Qual a diferença?

A política de civilização luta contra todos os efeitos negativos da civilização ocidental. É para restabelecer a solidariedade, humanizar a cidades, revitalizar os campos. Cada civilização tem suas virtudes, qualidades, suas diferenças, isso é verdade também para a civilização ocidental. Também para as civilizações de pequenos povoados, como índios da Amazônia, conhecimentos de plantas, animais, arte de viver, novos curativos, como os xamãs. A política de humanidade é combinar o melhor de cada civilização, fazer um simbiose no nível do planeta onde o melhor do mundo ocidental, que são os direitos humanos, direitos da mulher, a possibilidade do individualismo - mas não do egocentrismo - que combine outras civilizações, onde há mais solidariedade. A questão é lutar contra os defeitos das civilizações e pegar o que há de melhor. Porque nas civilizações tradicionais não há só coisas boas como solidariedade. Há também dogmatismo, autoridade demasiada dos mais velhos, do homem sobre a mulher. A ideia é tirar o melhor de cada, não idealizar a civilização tradicional ou a ocidental.

Fonte: Unisinos

Nenhum comentário: