29 de setembro de 2009

Santo Anselmo, teólogo, professor e pastor valente


Intervenção de Bento XVI na audiência geral

Em Roma, no monte Aventino, encontra-se a abadia beneditina de Santo Anselmo. Como sede de um instituto de estudos superiores e do abade primaz dos Beneditinos Confederados, é um lugar que une a oração, o estudo e o governo, precisamente as três atividades que caracterizaram a vida do santo ao qual está dedicado: Anselmo de Aosta, de cuja morte celebra-se este ano o 9º centenário. As múltiplas iniciativas, promovidas especialmente pela diocese de Aosta por este feliz aniversário, manifestaram o interesse que este pensador medieval continua suscitando. Ele é conhecido também como Anselmo de Bec e Anselmo de Cantuária, por causa das três cidades com as que teve relação. Quem é este personagem ao qual três localidades, distantes entre si e colocadas em três nações diferentes – Itália, França e Inglaterra – se sentem particularmente vinculadas? Monge de intensa vida espiritual, excelente educador de jovens, teólogo com uma extraordinária capacidade especulativa, sábio homem de governo e intransigente defensor da libertas Ecclesiae – da liberdade da Igreja –, Anselmo é uma das personalidades eminentes da Idade Média, que soube harmonizar todas estas qualidades graças a uma profunda experiência mística que guiou sempre seu pensamento e sua ação.

Santo Anselmo nasceu em 1033 (ou no começo de 1034) em Aosta, primogênito de uma família nobre. O pai era um homem rude, dedicado aos prazeres da vida e dissipador dos seus bens; a mãe, no entanto, era mulher de elevados costumes e de profunda religiosidade (cf. Eadmero, Vita s. Anselmi, PL 159, col 49). Foi ela, a mãe, quem cuidou da primeira formação humana e religiosa do seu filho, que confiou depois aos Beneditinos de um priorado de Aosta. Anselmo, que desde criança – como narra seu biógrafo – imaginava a morada do bom Deus entre os altos e nevados cumes dos Alpes, sonhou uma noite que era convidado neste palácio esplêndido pelo próprio Deus, que esteve com ele durante um longo tempo, afavelmente, e no final lhe ofereceu para comer “um pão branquíssimo” (ibid., col 51). Este sonho lhe deixou a convicção de ser chamado a cumprir uma alta missão. Aos 15 anos, pediu para ser admitido na ordem beneditina, mas o pai se opôs com toda a sua autoridade e não cedeu sequer quando o filho, gravemente doente, sentindo-se perto da morte, implorou o hábito religioso como último consolo.

Depois de sua cura e da perda prematura de sua mãe, Anselmo atravessou um período de dissipação moral: descuidou dos estudos e, abrumado pelas paixões terrenas, fez-se surdo ao chamado de Deus. Voltou para casa e começou a viajar pela França, procurando novas experiências. Depois de três anos, estando na Normandia, dirigiu-se à abadia beneditina de Bec, atraído pela fama de Lanfranco de Pavia, prior do mosteiro. Para ele, foi um encontro providencial e decisivo para o resto de sua vida. Sob a guia de Lanfranco, Anselmo retomou com vigor seus estudos e, em pouco tempo, converteu-se não somente no aluno predileto, mas também no confidente do seu professor. Sua vocação monástica voltou a acender em seu interior e, após uma atenta avaliação, aos 27 anos entrou na ordem monástica e foi ordenado sacerdote. A ascética e o estudo lhe abriram novos horizontes, fazendo-o voltar a encontrar, em um nível muito mais alto, essa familiaridade com Deus que havia tido quando criança.

Quando, em 1063, Lanfranco se converteu em abade de Caen, Anselmo, com apenas três anos de vida monástica, foi nomeado prior do mosteiro de Bec e professor da escola claustral, revelando dons de refinado educador. Ele não gostava dos métodos autoritários; comparava os jovens com as pequenas plantas que se desenvolvem melhor quando não ficam fechadas em uma estufa, e lhes concedia uma “saudável” liberdade. Era muito exigente consigo mesmo e com os demais na observância monástica, mas ao invés de impor a disciplina, ele se empenhava em fazer que ela fosse seguida com a persuasão. Quando morreu o abade Erluino, fundador da abadia de Bec, Anselmo foi eleito por unanimidade para sucedê-lo: era fevereiro de 1079. Entretanto, numerosos monges haviam sido chamados a Cantuária para levar aos irmãos do outro lado do Canal da Mancha a renovação que se estava produzindo no continente. Sua obra foi bem aceita, até o ponto de que Lanfranco de Pavia, abade de Caen, converteu-se no novo arcebispo de Cantuária e pediu a Anselmo que transcorresse certo tempo com ele para instruir os monges e ajudá-lo na difícil situação em que sua comunidade eclesial se encontrava após a invasão dos normandos. A permanência de Anselmo revelou-se muito fecunda; ganhou simpatia e estima, até o ponto de que, quando Lanfranco morreu, ele foi eleito para substituí-lo na sede arcebispal de Cantuária. Recebeu a solene consagração episcopal em dezembro de 1093.

Anselmo se empenhou imediatamente em uma enérgica luta pela liberdade da Igreja, mantendo com valor a independência do poder espiritual com relação ao temporal. Defendeu a Igreja das indevidas ingerências das autoridades políticas, sobretudo dos reis Guilherme, o Vermelho, e Henrique I, encontrando ânimo e apoio no Pontífice Romano, a quem Anselmo demonstrou sempre uma valente e cordial adesão. Esta fidelidade lhe custou, em 1103, também a amargura do exílio de sua sede de Cantuária. E somente quando, em 1106, o rei Henrique I renunciou à pretensão de conferir as investiduras eclesiásticas, como também à acumulação dos impostos e à confiscação dos bens da Igreja, Anselmo pôde voltar à Inglaterra, onde foi acolhido festivamente pelo clero e pelo povo. Havia se concluído assim, felizmente, a longa luta combatida por ele com as armas da perseverança, do orgulho e da bondade.

Este santo arcebispo, que tanta admiração suscitava ao seu redor aonde quer que se dirigisse, dedicou os últimos anos de sua vida sobretudo à formação moral do clero e à busca espiritual sobre temas teológicos. Morreu no dia 21 de abril de 1109, acompanhado pelas palavras do Evangelho proclamado na Santa Missa daquele dia: “Vós sois os que permanecestes constantemente comigo em minhas tentações; também eu disponho para vós o Reino, como meu Pai o dispôs para mim, a fim de que comais e bebais à minha mesa em meu Reino” (Lc 22, 28-30). O sonho daquele misterioso banquete, que ele havia tido desde pequeno, precisamente no começo do seu caminho espiritual, encontrava assim sua realização. Jesus, que o havia convidado para sentar-se à sua mesa, acolheu Santo Anselmo, em sua morte, no reino eterno do Pai.

“Deus, eu vos rogo, quero conhecer-vos, quero amar-vos e poder gozar de vós. E se nesta vida não sou capaz disso plenamente, que pelo menos cada dia eu possa progredir até chegar à plenitude” (Proslogion, cap.14): esta oração nos permite compreender a alma mística deste grande santo da época medieval, fundador da teologia escolástica, a quem a tradição cristã deu o título de “doutor magnífico”, porque cultivou um intenso desejo de aprofundar nos mistérios divinos, na plena consciência, no entanto, de que o caminho da busca de Deus nunca termina, pelo menos nesta terra.

A clareza e o rigor lógico do seu pensamento sempre tiveram como objetivo “elevar a mente à contemplação de Deus” (Ivi, Proemium). Ele afirma claramente que quem pretende fazer teologia não pode contar somente com sua inteligência, mas deve cultivar ao mesmo tempo uma profunda experiência de fé. A atividade do teólogo, segundo Santo Anselmo, desenvolve-se, assim, em três fases: a fé, dom gratuito de Deus que é preciso acolher com humildade; a experiência, que consiste na encarnação da Palavra de Deus na própria existência cotidiana; e, por último, o verdadeiro conhecimento, que nunca é fruto de raciocínios frios, mas de uma intuição contemplativa. Continuam sendo, portanto, muito úteis também hoje, para uma pesquisa teológica sadia e para quem quiser aprofundar nas verdades da fé, suas célebres palavras: “Não pretendo, Senhor, penetrar em vossas profundezas, porque não posso sequer desde longe confrontar com elas meu intelecto; mas desejo entender, ao menos até certo ponto, vossa verdade, em que meu coração crê e ama. Não procuro entender para crer, mas creio para entender” (Ivi, 1).

Queridos irmãos e irmãs: que o amor pela verdade e a sede constante de Deus, que marcaram toda a existência de Santo Anselmo, sejam um estímulo para todo cristão para buscar, sem cessar jamais, uma união cada vez mais íntima com Cristo, Caminho, Verdade e Vida. Além disso, que o zelo repleto de valentia que distinguiu sua ação pastoral e que lhe causou então incompreensões, amargura e finalmente o exílio, seja um estímulo para os pastores, para as pessoas consagradas e para todos os fiéis a amar a Igreja de Cristo, a rezar, a trabalhar e a sofrer por ela, sem abandoná-la nem traí-la jamais. Que nos obtenha esta graça a Virgem Mãe de Deus, por quem Anselmo nutriu uma terna devoção filial: “Maria – escreve Santo Anselmo –, a vós meu coração quer amar, a vós minha língua deseja venerar ardentemente”.

[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]

Ao grupo de visitantes do Brasil e demais peregrinos de língua portuguesa, agradeço a presença e quanto a mesma significa de confissão de fé e amor a Jesus Cristo. Que o exemplo de Santo Anselmo seja um estímulo para que todos vós procureis incessantemente uma união sempre mais íntima com Ele. De coração, a todos abençoo. Ide com Deus!

[Tradução: Aline Banchieri © Libreria Editrice Vaticana]
Colaborador:Rodney Eloy
Fonte:Zenit

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